Os «valores» de Von Der Leyen

Ângelo Alves

Prepara-se um novo salto em frente no processo de integração capitalista da UE

A história do processo de integração capitalista na Europa é feita de saltos que são invariavelmente acompanhados de enormes manobras de propaganda e que surgem geralmente em situações de maior tensão e crise do processo de integração capitalista. O discurso de Ursula Von Der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, no Estado da União é uma peça exemplar dessa propaganda e dessa vontade de uma nova fuga em frente.

Partindo da escandalosa mentira de que a União Europeia «esteve à altura» das exigências, «agiu em conjunto» e pautou a sua actuação pela «solidariedade», a presidente da Comissão Europeia parte para um discurso clarificador de como a pandemia é utilizada para fortalecer este instrumento de domínio imperialista. Desde o «abocanhar» do sector da saúde, da industria farmacêutica e biomedicina para o plano supranacional – com a retirada de competências aos Estados-membros neste sector (e com os monopólios do sector a salivarem com a perspectiva de uma nova fileira milionária de acumulação de lucros); passando pela «eliminação dos entraves ainda existentes ao mercado único»; pela «conclusão da União dos Mercados de Capitais e da União Bancária»; pela «dupla transição digital e ecológica» meticulosamente desenhada, e convenientemente financiada pelo programa NextGenerationEU, de acordo com os interesses da Alemanha e dos seus grandes monopólios; pela centralização das ferramentas e infra-estruturas relacionadas com a inteligência artificial e gestão de dados; por novos instrumentos de ingerência, controlo e chantagem no plano político e ideológico; e pelas «reformas estruturais», embrulhadas numa roupagem de Europa social em que a medida mais emblemática visa centralizar o conceito e o valor do Salário Mínimo na União Europeia (retirando da soberania dos Estados um instrumento essencial de política económica, laboral e social), a presidente da Comissão Europeia elabora todo um programa que visa uma «saída» ainda mais neoliberal e de concentração de poder político, desta feita sob o slogan da «liderança» da UE no desenhar do futuro e da «defesa» dos «valores europeus».

«Valores» que no que toca à dita «política externa» não deixam margens para dúvidas: a China passa a ser vista como «concorrente económico e rival estratégico»; a Federação Russa é classificada como criminosa e é anunciada uma nova etapa de confrontação; o apoio às manobras de ingerência externa na Bielorrússia ou em Hong Kong é afirmado com todas as letras; a imposição de sanções – nomeadamente de carácter extraterritorial – é abertamente defendida na proposta de uma Lei Magnistky para a UE; a «nova» política migratória projecta e aprofunda ainda mais o conceito de Europa Fortaleza e África é assumida como prioridade, num revivalismo colonial, bem patente aliás na última resolução do Parlamento Europeu sobre Moçambique.

Para tudo isto «a caixa de ferramentas» tem de ser «completada» e a presidente da Comissão defende abertamente o fim da regra da unanimidade nas questões da «política externa», «pelo menos no que diz respeito aos direitos humanos e sanções». Com tais «valores» não estranha, portanto, que Von Der Lenyen defenda com paixão uma nova «agenda transatlântica», que tem de ter um «novo início», «aconteça o que acontecer no final do ano». Afinal de contas, as diferenças com Trump não são de facto assim tão profundas…




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