Um interregno nas bienais de artes visuais da Festa do Avante!
Democratizar a cultura é desde sempre um dos objectivos emblemáticos da Festa
A Festa do Avante! deste ano realiza-se condicionada pelas restrições impostas pela pandemia. Para as cumprir com todo o rigor houve que se rever o programa que sempre a distinguiu de qualquer outra manifestação política e cultural, ou com pretensões culturais ainda que vagas, que sucedem em Portugal e mesmo globalmente. Nada é comparável com a Festa do Avante!, o que incomoda o reaccionarismo dominante, com ampla tradução na comunicação social corporativa desde a primeira festa, realizada nos pavilhões da Feira das Indústrias, que é bom lembrar foi alvo de um atentado bombista nas vésperas da sua abertura visando a sua não realização.
Seguiram-se outras manobras sempre com o mesmo objectivo, todas fracassadas pela determinação do Partido Comunista Português, dos seus militantes, em a concretizar. Os «debates» sobre a Festa deste ano, à boleia dos constrangimentos impostos pelo combate à pandemia, enquadram-se nos atentados bombistas, que passaram da materialidade para a imaterialidade, com a Festa sempre na sua mira. Não é um acaso a vertente cultural da Festa do Avante! ser sistematicamente desvalorizada, só não o ser mais por ser impossível negar todas as evidências.
Este ano houve que fazer uma enorme revisão de toda a implantação da Festa para a adequar às exigências sanitárias impostas pelo combate à pandemia, com óbvios reflexos na programação política e cultural reorganizada de modo à Festa não perder a sua identidade.
Democratizar
Um dos sucessos culturais que não é possível concretizar com este novo e excepcional enquadramento é o da exposição de artes visuais que desde a primeira, em 1977 no Vale do Jamor, tem espaço próprio, alternando a realização de uma Bienal de Artes Plásticas e exposições com outras características, para que as artes visuais estivessem sempre presentes no contexto da Festa. Este ano seria o ano da XXII Bienal, que fica adiada para o próximo ano, abrindo um interregno na sua calendarização.
É momento para relembrar os objectivos da integração das artes visuais no já vasto e rico programa cultural da Festa do Avante!. Muitos dos milhares de visitantes da Festa tinham um contacto distante com as artes visuais até aí confinadas a espaços especializados. O grande salto qualitativo que se deu foi o de possibilitar que milhares de pessoas se confrontassem com as artes visuais motivando-as para essa realidade que passou a fazer parte das suas vidas, democratizando a cultura, um dos objectivos emblemáticos da Festa.
Essa primeira exposição foi aberta a todos os artistas que quisessem participar sem qualquer avaliação prévia da sua qualidade estética, seja isso o que seja. Paralelamente organizaram-se exposições individuais de artistas portugueses de valor firmado nacional e internacionalmente: escultura de Jorge Vieira, pintura de João Hogan, gravura de Bartolomeu Cid dos Santos e as ilustrações de Rogério Ribeiro para o Até Amanhã Camaradas. Um enquadramento que se manteve até hoje nas Bienais com a alteração de as obras começarem a ser sujeitas a avaliação prévia por júris qualificados.
Desde essa primeira exposição, todos os anos são milhares os visitantes que percorrem o espaço reservado para as artes visuais na Festa do Avante! ficando a conhecer os novos artistas que vão surgindo a par de nomes consagrados. Por impossibilidade logística, ficam adiadas para o próximo ano as expectativas que existiam para este ano. O que não fica, nem sempre ficará adiado, é o real contributo da Festa do Avante! para a democratização da cultura nas suas mais diversas vertentes.