«A música aliada à palavra tem muita força»

LUTAR Com vontade de mostrar o seu mais recente trabalho, «Madrepérola», em palco, Capicua não se escuda em meias palavras e afirmou ao «Avante!» que a música que faz contribui para despertar consciências, aproximando os seres humanos e ajudando a semear as pequenas e as grandes revoluçõe.

Pouco a pouco vamos semeando as pequenas e as grandes revoluções

Depois de seis anos com inúmeros espectáculos e grande êxitos, apresenta-se na Festa do Avante! com o seu mais recente álbum e uma nova formação. Que novidades e que continuidades podemos esperar?

Podemos esperar um concerto com repertório renovado, cenário renovado, banda renovada e espírito renovado. O disco novo veio transformar muito o alinhamento e depois de seis meses de paragem é muito bom voltar à estrada para mostrar o «Madrepérola» ao mundo. Como continuidade temos a mesma atitude aguerrida em palco, a maioria dos músicos que me acompanham e os meus “«clássicos».

Como encara a realização da Festa este ano? Atribui-lhe algum significado ou relevância particular, quer para artistas quer para o público, após meses de míngua de oferta cultural que tão essencial é à vida?

Acho importante voltarmos ao activo. Primeiro, porque as pessoas precisam de cultura por uma questão de saúde mental. Segundo, porque o sector da cultura precisa de trabalhar a bem da sobrevivência de muitas famílias e depois porque, estando garantido o cumprimento das normas da Direcção-Geral de Saúde, não podemos deixar que os exageros securitários e pseudo-moralistas nos roubem a liberdade de existir. Até porque quanto mais se cancelarem os eventos culturais que respeitam todas as normas, mais haverão ajuntamentos descuidados em ambientes informais. As pessoas já não aguentam muito mais tempo sem respirar cultura e liberdade.

A Capicua nunca escondeu a sua militância política e social, pelo contrário, e isso reflecte-se na música que faz. Acha que o contexto com que se confrontam os trabalhadores, incluindo os profissionais da cultura, ou a ascensão do populismo e da extrema-direita, obrigam a reforçar essa ligação entre a música e a militância pela democracia, a liberdade, a justiça e o progresso?

A minha última rima da última música do disco diz precisamente que «Para ser do verso há que ser livre e quando tudo é adverso eu faço o inverso pra que equilibre». E eu acredito mesmo que quanto mais o mundo se mostra hostil, mais faz sentido trazer música luminosa, com espírito crítico e ostensivamente livre. A música aliada à palavra tem muita força, entra no nosso metro quadrado, é invasiva e toca-nos fundo. Não é à toa que a cultura e os artistas são os alvos preferenciais das forças anti-democráticas. Eu costumo dizer que é um megafone para as nossas causas e uma ferramenta para a mudança do mundo, através da mudança das mentalidades. E, depois, é mesmo por uma questão de civilização. Já que a cultura serve muito para cultivar a empatia, para sentirmos o que é estar no lugar do outro, experimentar outras emoções, e isso é precisamente o que significa a humanidade com H grande. É o que nos faz sentir que pertencemos a uma mesma família, a uma mesma carne. Ora, num mundo em que a memória é cada vez mais curta e a solidariedade é escassa, precisamos muito de cultivar tudo isso.

É uma referência para milhares de jovens – pelo que transmite através da música que faz, pela atitude com que o faz. Isso é simultaneamente uma responsabilidade e uma manifestação de esperança no futuro?

Ter o microfone na mão é uma responsabilidade, mas prefiro não sentir isso como um peso. Prefiro encarar isso como uma oportunidade. É o que tenho feito com a tal esperança no futuro, porque acredito mesmo que pouco a pouco vamos mudando a ordem «natural» das coisas, vamos transformando as circunstâncias, espalhando a mensagem, semeando as pequenas e as grandes revoluções.

Começou como grafitter a sua expressão artística e da subcultura suburbana. Tem projectos artísticos nessa área?

Já não estou ligada ao Graffitti há muitos anos, mas continuo muito fã de ilustração e artes plásticas. Não é à toa que todos os meus discos têm artworks baseados em ilustração, que durante anos os meus concertos tiveram ilustração ao vivo para projecção no palco, que continuo a colaborar com muitos artistas nos meus clipes, no merchandising que faço e em tudo o que acompanha a minha música. Acho que é importante acrescentar uma dimensão visual ao meu trabalho e gosto de trabalhar com outros artistas na descoberta do que são as suas interpretações daquilo que eu faço. É engraçado crescer em conjunto a partir da criação em colaboração. Acho que essa paixão pelo desenho me ficou dos tempos em que pintava na rua.

E no plano musical? Há já algum projecto novo a caminho?

Para já há a vontade de mostrar o «Madrepérola» em palco e matar a saudade da estrada. O disco saiu em Janeiro e este é apenas o terceiro concerto! Além disso, toda esta experiência de vida em pandemia veio trazer muitos questionamentos e impasses que ainda estou a digerir. Acho que será um divisor de águas e tenho de perceber que música quero fazer a partir de tudo isto, o que tenho a dizer ao mundo e o que acho que faz sentido propor enquanto contributo para o mundo neste momento.




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