Imperialismo cultural

Manuel Augusto Araújo

Há um caminho árduo a empreender pela libertação das grilhetas do imperialismo cultural

Nos tempos actuais a financeirização da economia e a adopção de políticas que visam reduzir os custos do factor trabalho, precarizam o trabalho, atacam os direitos dos trabalhadores, fragmentam e proletarizam a força de trabalho. Para impor essa nova ordem tornou-se tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como o controlo dos meios de comunicação social que preparam e justificam as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos proporcionados pelas redes informáticas, e a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas.

Desde há décadas que são muitos os sintomas de desordem mental e cultural, com a fragilização do pensamento crítico varrido pelos turbilhões das amálgamas informativas e culturais servidas em doses massivas onde se desagregaram todos os projectos humanistas do iluminismo, cujo ponto máximo é o marxismo, guilhotinando-os na fúria bárbara dessa nova ordem em que o imperialismo cultural é um pilar.

A educação, esse grande projecto iluminista, é pulverizada nas sabedorias dos algoritmos dos sites da Wikipédia, Facebook, Instragam, Twitter etc.,etc., que se colocam acima da inteligência e do conhecimento das pessoas esmagando a sua capacidade de julgamento. Em que quase deixa de haver lugar para a criação artística a não ser como forma de ganhar dinheiro, um caminho que Warhol, sem ironias nem sentimentalismos, percorreu com inquietante êxito. Tudo se normaliza num espectáculo contínuo e generalizado de mundanidades. Um estado de sítio em que o que sobrou para as artes foi regressar ao dadaísmo, não como protesto desesperado contra um mundo insuportável mas para uso publicitário. O destino histórico dos formalismos termina sempre na utilização publicitária do trabalho sobre a forma. É a porta grande por onde entra o conceptualismo, moda corrente porque é fácil, porque até pessoas sem conhecimentos o conseguem fazer, em que a única exigência é ter ideias a que não se exige que sejam boas ou brilhantes, em que a falta de rigor e o acaso são os valores dessas artes fraudulentas promovidas por vasto e diversificado grupo de intermediários culturais que estão sempre entre duas actividades promocionais onde a arte é sempre e só mercadoria e o público se alicia com mentiras ou melhor (pior) não verdades das emoções factícias de uma cultura que explora o empobrecimento intelectual e moral dos indivíduos.

Um tempo em que o bullying cultural disfarçado de política cultural explora política, económica e socialmente as pessoas com o objectivo de reordenar valores para promover a confusão ideológica e a desorientação política, para que as massas populares exploradas pelo imperialismo económico se conformem aos seus interesses perdendo identidade e a alienação global seja uma alienação consentida.

Um dos grandes e dos mais inquietantes êxitos do imperialismo cultural é a captura de intelectuais de esquerda, rendidos e deslumbrados com a velocidade de translação das modas e a artificialidade mundana dos eventos culturais, ficando incapazes de qualquer capacidade crítica contribuindo activamente para que esse estado de sítio estenda os seus tentáculos.

Há um caminho árduo a empreender pela libertação das grilhetas do imperialismo cultural recuperando o carácter transformador das artes, da cultura, inscrevendo-o no processo mais geral de lutas pela libertação de todas as formas de exploração do trabalho humano.



Mais artigos de: Argumentos

O Chega que está chegando

No princípio era apenas um telecomentador desportivo que vinha dos arredores de Lisboa, de gravata encarnada hasteada, para alguns daqueles fragorosos embates verbais que talvez apaixonem muitos telespectadores e talvez fastidiem muitos outros. De súbito, porém, a gravata transmutou-se de sinal de opção desportiva para...

Estatuto do Antigo Combatente

Foi aprovado no passado dia 23 de Julho o Estatuto do Antigo Combatente (EAC), com a abstenção do PCP. Foi grande o júbilo mediático correspondendo, aliás, à pressa de alguns para a sua aprovação. Uma pressa que se compreende face a um adiar sistemático ao longo de anos, mas uma pressa que em...