O PCP e a Reforma Agrária - semente de Abril fértil de futuro
REVOLUÇÃO Nos seus 100 anos de História, o PCP está activamente presente em todas as dimensões da vida e da luta da classe operária e dos trabalhadores portugueses. Não há avanço ou conquista a que não esteja associada a intervenção e a luta dos comunistas portugueses, não há retrocesso a que o PCP não tenha dado combate e garantido a resistência. É esse o caso da Reforma Agrária, a mais bela conquista da Revolução de Abril, consagrada em Lei há 45 anos, através de cinco decretos-leis datados de 29 e a 30 de Julho de 1975.
Muitos dos factores que conduziram à Reforma Agrária estão novamente (ou ainda) presentes
Este momento maior da nossa história dá-se após a derrota das forças reacionárias na tentativa de golpe de 11 de Março desse ano, e em plena vigência do IV Governo Provisório, chefiado pelo General Vasco Gonçalves, cujo ministro da Agricultura e Pescas era Fernando de Oliveira Baptista, sendo Álvaro Cunhal ministro sem pasta.
Nesses tempos de grandes avanços revolucionários, a Reforma Agrária tinha já dado importantes e significativos passos. As ocupações de terras do latifúndio do Sul do País avançavam desde o final de 1974. A primeira Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, organizada pelo PCP, tinha tido lugar em Fevereiro desse ano, e nela havia sido decidido materializar a palavra de ordem «a terra a quem a trabalha».
Esta consagração legislativa culminou uma luta que percorreu todo o século XX. Em Maio de 1911 realiza-se a primeira greve do proletariado agrícola do Alentejo. O primeiro dos Congressos dos Trabalhadores Rurais acontece entre 25 e 26 de Agosto de 1912, em Évora. A sua convocatória foi assinada por Manuel Quartel Ferreira (mais tarde fundador do PCP e membro da sua Comissão Central) em nome da Associação dos Trabalhadores Rurais de Coruche.
A luta dos trabalhadores rurais teve sempre como objectivos centrais as questões do trabalho e do pão, do salário e do horário, mas bem cedo, pelo menos em 1924, o 6.º Congresso dos Trabalhadores Rurais reclamava «uma socialização completa da terra».
Causa de sempre do PCP
Nas décadas que precederam o 25 de Abril de 1974, a estes objetivos somaram-se a luta contra a repressão e a guerra, consequências de uma ditadura fascista interessada em manter os privilégios de um punhado de grupos económicos e grandes agrários. Esta luta opunha uma vasta camada de operários agrícolas sem terra, assim como pequenos e médios agricultores, aos grandes agrários do latifúndio do Sul do País. foi acompanhada e dirigida a par e passo pelo PCP.
Como ao longo dos seus 100 anos de vida, as organizações do PCP tiveram nela um determinante papel de acompanhamento e direcção, como nas jornadas que permitiram a conquista das oito horas de trabalho diário, precedida de uma extraordinária acção partidária, de que nos dá conta António Gervásio, na obra Lutas de Massas em Abril e Maio de 1962 no Sul do País (Cadernos de História do PCP, Edições Avante!). Ou na definição da Reforma Agrária enquanto exigência fundamental de uma Revolução Democrática e Nacional, tal como preconizado na obra Rumo à Vitória, de Álvaro Cunhal.
Registe-se que, a par desse herói maior que é o povo alentejano, a luta pela Reforma Agrária conta com mártires quase todos saídos das fileiras do PCP. Germano Vidigal, operário, torturado até à morte pela PIDE após ser preso durante uma manifestação de cerca de 2000 trabalhadores rurais em Montemor-o-Novo; Alfredo Lima, jovem operário agrícola de Alpiarça, assassinado pela GNR em 1950 numa greve por aumento de salários; José Adelino dos Santos, trabalhador rural, assassinado em 1958 durante uma manifestação em Montemor-o-Novo por melhores salários e de protesto contra a burla eleitoral; Catarina Eufémia, jovem assalariada rural, assassinada em 1954, à queima roupa, por um tenente da GNR a quem enfrentou e informou que o grupo de mulheres que ia com ela só queria pão para matar a fome aos filhos.
Obra dos trabalhadores
É através do Decreto-Lei n.º 406-A/75 que se estabelecem as normas para a expropriação de determinados prédios rústicos, nomeadamente de propriedades de dimensão fundiária ou económica considerada excessiva, assim como dos bens de capital neles presentes. Pretendia-se, tal como se lê no preâmbulo deste Decreto-Lei, responder «a um imperativo de libertação das forças produtivas», estranguladas «por formas de propriedade da terra e dos meios de produção» contrárias ao seu desenvolvimento, em que era instrumental liquidar o «domínio dos grandes agrários» para assim assegurar o «processo de destruição do fascismo e das suas bases sociais», condição para a «libertação e emancipação dos operários agrícolas e dos pequenos agricultores no caminho da construção de uma sociedade democrática».
É neste mesmo preâmbulo que se reconhece que a Reforma Agrária não começava nem se esgotava nesta lei. A Reforma Agrária tinha «de constituir – e em larga medida» já o constituía – «obra do poder de iniciativa, de imaginação, de organização, de luta e de trabalho dos operários agrícolas e dos pequenos agricultores».
Os outros decretos-leis aprovados nestes dias de Julho de 1975 determinavam: o estabelecimento de medidas de crédito agrícola a conceder às explorações agrícolas ou pecuárias geridas por trabalhadores rurais ou pequenos agricultores (406-B/75); a nacionalização dos prédios rústicos beneficiados por onze aproveitamentos hidroagrícolas situados no Sul do País (407-A/75); a colocação sob controlo estatal de toda a produção de cortiça amadia extraída ou a extrair, retirando aos agrários o controlo sobre um produto fundamental muito lucrativo (407-B/75); a extinção das coutadas de caça não reconhecidas como de fins turísticos (407-C/75).
A Reforma Agrária somava-se assim ao vasto conjunto de conquistas revolucionárias concretizadas entre Março e Setembro de 1975. Estas incluíam as nacionalizações de sectores estratégicos da economia, como a banca, os seguros, os transportes, minas, cimentos, celuloses e indústrias químicas. Incluíam também a implementação do salário mínimo nacional, dos subsídios de férias e desemprego, o controlo da produção pelos trabalhadores, o reconhecimento da Intersindical Nacional como a grande central sindical dos trabalhadores portugueses ou a democratização do ensino, entre muitas outras. Conquistas que viriam a ser consagradas na Constituição da República Portuguesa, aprovada e promulgada em 2 de Abril de 1976, e que continha a Reforma Agrária como «incumbência prioritária do Estado» (Artigo 81.º), a ela lhe dedicando o Título IV (Artigos 96º a 104º).
Avanço e resistência
A Reforma Agrária significou uma profunda mudança social e política no Sul, com impacto em todo o País. Um processo para onde convergiram a determinação, criatividade e originalidade, não só dos seus protagonistas principais – os trabalhadores agrícolas do Sul, mas também de todos os interessados no aprofundamento da Revolução de Abril e das suas conquistas. Símbolo maior dessa criatividade e originalidade é a criação das unidades coletivas de produção (UCP). Em 1976, estava já constituída a grande maioria das 550 UCP, ocupando um terço (1 milhão e 140 mil hectares) da superfície agrícola da zona de intervenção da Reforma Agrária (distritos de Beja, Évora e Portalegre, Litoral Alentejano e partes dos distritos de Castelo Branco, Faro, Lisboa e Santarém).
A Reforma Agrária impunha ainda significativos avanços. Tinham já sido criados mais 50 mil postos de trabalho, 33 mil dos quais permanentes. A área semeada tinha aumentado 155 mil hectares, dos quais 3200 eram de regadio. A produção de cereais crescera 250 mil toneladas. O número de cabeças de gado tinha crescido em 124 mil novas cabeças. Já se havia realizado avultados investimentos em máquinas, alfaias, benfeitorias e melhoramentos fundiários.
A produção, o emprego, o funcionamento democrático (de que é expressão maior a realização das 12 Conferências da Reforma Agrária), a solidariedade entre UCP e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais (com a construção de creches, lares, extensões de saúde e cooperativas de consumo, entre outros), eram e foram sempre as grandes guias da Reforma Agrária. E foram-no ao longo da década e meia de resistência à feroz ofensiva contra a Reforma Agrária, resistência em que os comunistas estiveram sempre na primeira linha, numa iniciativa sem paralelo, no plano político, de massas e institucional.
Desencadeada a coberto da Lei 77/77 (a famigerada Lei Barreto) e levada a cabo pelos sucessivos governos da política de direita (com PS e PSD, sós, juntos ou com a companhia do CDS), essa ofensiva assentou no roubo de terras e meios de produção às UCP, entregando-os de novo aos grandes agrários, num processo marcado por inúmeras ilegalidades (mesmo à luz das leis que essas forças contra-revolucionárias faziam aprovar) e por violência feroz, como a que vitimou os trabalhadores agrícolas José Geraldes «Caravela» e António Casquinha.
Imperativo do presente e do futuro
45 anos depois, mantêm-se vários dos factores que levaram o PCP, os trabalhadores rurais do Sul e os pequenos e médios agricultores a lançar e a fazer valer a palavra de ordem «a terra a quem a trabalha». Mantém-se o abandono e o subaproveitamento de extensas áreas de terra; um elevado desemprego e êxodo forçado das populações; uma aguda exploração, assentando muitas vezes em trabalho oriundo de paragens longínquas. A que se soma, hoje, a emergência de uma agricultura capitalista de grande intensidade, colocando riscos para o ambiente e para as populações, beneficiando grandes grupos económicos e em boa parte nas mãos de capital estrangeiro, embora tirando partido de avultados investimentos e ajudas públicas.
Assim como uma nova Reforma Agrária é um imperativo de uma política patriótica e de esquerda inspirada pelos valores de Abril, as Leis aprovadas em 1975 são um património histórico carregado de futuro que importa assinalar. São sementes à espera de germinar.