Os sobreviventes
Foi em “Linha da Frente”, rubrica da RTP1 onde tem sido possível encontrar reportagens importantes, para não dizer que preciosas, como talvez apeteça mas seria excessivo. Na passada segunda-feira e uma vez mais (mas longe de ser de mais), o tema abordado foi o da velhice e dos que habitam essa espécie de território que parece remoto aos que ainda estão longe dele e surge assustadoramente presente aos que nele o decurso do tempo já instalou. E desta vez a abordagem esteve vinculada a um aspecto concreto e específico: o difícil quotidiano dos muitos que, após terem trabalhado anos e anos, recebem uma reforma exígua que precariamente os mantém à tona da sobrevivência. O valor dessa reforma é, muitíssimas vezes, abaixo do que seria necessário para garantir necessidades mínimas e imperiosas: alguma alimentação, um tecto, alguns medicamentos. E é fácil adivinhar que em muitos casos, decerto milhares deles, os medicamentos e a alimentação são preteridos em favor do tecto, último reduto que aliás nem sempre é possível preservar, como é provado pelo contingente de velhos que integra o tristíssimo e quase invisível bando de cidadãos sem-abrigo que reportagens da televisão têm visitado.
A exploração continua
Trata-se, pois, como a reportagem ensinou, de sobreviver a um efectivo processo de extinção decorrente do tempo já vivido e agravado pelas circunstâncias impostas pela sociedade envolvente. A reportagem trouxe-nos alguns casos concretos, dois ou três entre muitos milhares, de pensões de reforma que condenam os trabalhadores a uma sobrevivência em nível abaixo do limiar da pobreza, e assim pudemos ver o que muitas vezes espera quem trabalhou durante décadas até chegar a um estado de privações múltiplas e de prováveis momentos de desespero. É claro que a exiguidade dessas reformas tem tudo a ver com uma outra exiguidade: a dos salários que lhes foram pagos ao longo da vida laboral, e assim se revela que a exploração de que os trabalhadores foram alvo durante os anos de actividade se prolonga de algum modo para o tempo que deveria ser, enfim, de repouso com mínimo conforto. Por isso tem sentido a fórmula “sobreviver à reforma” que a reportagem avançou: é que as reformas que são factores de angústia e geradoras de penúria podem ser reformas assassinas sob o manto convencional de uma protecção afinal insuficiente. Talvez alguns dos reformados com valores mínimos possam escapar ao pior se renunciarem ao descanso merecido e continuarem a trabalhar enquanto fisicamente o possam fazer, mas essa “solução” é mais uma última violência a que estarão expostos. É o epílogo da trajectória que espera muitos trabalhadores extenuados. Imposta por um sistema social que é necessário e urgente substituir.