No combate ao racismo, cumprir a Constituição
A Constituição da República Portuguesa repudia e combate o racismo
A realização recente de uma manifestação que tendo, na sua raiz, sido convocada por outras razões e se transformou numa manifestação anti-racismo e pela tolerância, em consequência do assassinato de Floyd nos EUA e da repulsa generalizada que percorre todo o mundo, deu lugar a polémica pela presença de um cartaz que dizia «polícia bom é polícia morto». Uma polémica que visou transformar todos os participantes nas acções que tiveram lugar em adeptos da frase transportada por um participante.
Esses, incluindo os muitos perfis falsos no Facebook construidos e geridos algures por centrais de desinformação que salivam pelo regresso ao passado de 48 anos derrubado com a Revolução de Abril, «disparam» a cada momento em que algo sucede com um polícia, mas nunca a criticar de cada vez que um polícia aparece envolvido em corrupção e outros crimes.
É óbvio que tal frase é uma aberração. Uma aberração porque, desde logo, entra em choque frontal com o próprio espírito da iniciativa. Uma aberração porque as forças e serviços de segurança são necessárias para as acções de combate ao racismo e à xenofobia. Uma aberração porque quem se afirma de esquerda ou de valores de esquerda não pode ter comportamentos ou posicionamentos que empurrem as forças e serviços de segurança para o regaço demagógico e oportunista das forças de extrema-direita.
Empurrados não só por este cartaz mas, sobretudo, por aquilo que são problemas sucessivamente adiados na sua resolução, porque essas forças nada têm para oferecer de solução para os reais problemas dos profissionais a não ser uns slogans fanfarrões mas desprovidos de conteúdo. Aliás, bastaria ser feito o exercício de ver quais as propostas concretas apresentadas pelo seu protótipo parlamentar, as ausências em momentos de votação e de discussão, para isso ficar clarinho.
Soluções sérias
Como já afirmámos, a solução para os muitos problemas que afectam os profissionais tem de ser encontrada com olhos postos no futuro e não com soluções e regressos ao passado. Nem será um qualquer caminho de reforço de poderes, como alguns parecem pugnar, que responde às indignidades sócio-profissionais que os atinge.
Como afirmava Pedro Tadeu, em crónica na TSF, «é preciso perceber que não há diferença entre a miséria humana que leva alguém da esquerda dita libertária escrever “um polícia bom é um polícia morto” com alguém da direita de tendência neonazi gritar “um preto bom é um preto morto”: são dois imbecis.»
Na senda da polémica, lá veio a recorrente questão da estratégia para combater o racismo e os que pretendem firmar a ideia de que Portugal é um país racista. Ora, a existência de racismo em Portugal não o transforma em país racista, tal como a existência de pedófilos o não transforma num país de pedófilos. Os enquadramentos legais, a começar na Constituição da República, não só repudiam o racismo, como pugnam por políticas para lhe fazer frente. E as traves mestras da estratégia de combate ao racismo está, desde logo, na Constituição da República.
É no desenvolvimento de uma política que assente nos valores e desígnios constitucionais que o combate ao racismo e a outros problemas sociais que atingem estas comunidades, e os trabalhadores em geral, encontrará o fortalecido respaldo conducente ao êxito, porque é preciso ter presente que entre um polícia que inicia a sua carreira a ganhar 750 euros, deslocado, com todo o risco inerente às suas funções, e a empregada de limpeza que mora numa qualquer parte de casa da Almirante Reis, no Cacém ou na Damaia, e que, com mais uns biscates, ganha 600 euros, tudo há que os aproxima.