Os pregoeiros
Como bem se sabe, o país e o mundo estão a viver dias de angústia perante a pandemia que percorre o planeta e contra a qual ainda não estão disponíveis os meios de defesa suficientemente eficazes que permitam pelo menos a esperança de uma tranquilidade a curto prazo. E, naturalmente, a televisão acompanha esta situação e presta-nos com adequada regularidade as informações que entende mais significativas e porventura mais urgentes. Até aqui tudo bem. Ou quase. Acontece, porém, que também no que a esta situação diz respeito a televisão dá sinais de não se ter libertado da tendência, que talvez possa ser chamada de vício, de privilegiar a vertente dramática da informação que lhe cabe transmitir, assim reforçando a eventual dimensão de espectáculo que a TV sempre também é, mas em detrimento da serenidade que em quase todas as situações é uma virtude recomendável se não obrigatória. Bem se sabe que não é nada de novo: é frequente, porventura quotidiano, que a televisão use fórmulas tensas e por vezes dramatizadas para nos dar conta de ocorrências que melhor seria relatar com contenção nas palavras e no tom. Mas não haverá nada de eficaz para remediar esta tendência: o tom e o estilo da televisão são o tom e o estilo adoptado por quem a faz, e quem a faz deixa transparecer muitas vezes, quase constantemente, a ambição talvez não inteiramente consciente de criar impacto.
Bom senso e bom gosto
Esta característica encontrou agora um renovo no quadro das quotidianas notícias que a TV nos vem dando acerca das andanças e malefícios provocados pelo coronavírus. Essas andanças suscitam, naturalmente, notícias cuja importância justifica a sua colocação na abertura dos telenoticiários, sendo adequado que tais informações comecem por referir o número de falecimentos provocados pela doença nas últimas horas. Menos adequado, porém, será o tom proclamatório, por vezes dir-se-ia que quase triunfante, com que esse número é avançado logo no início dos telenoticiários. Com razão ou sem ela, parece adivinhar-se que o apresentador das notícias convive lindamente com o carácter preocupante do número de mortos havido, porventura porque esse número reforça a importância da notícia que lhe cabe anunciar. Neste quadro, com excessiva frequência o tom e o som dos apresentadores das notícias deslizam para os de pregoeiros, quando a circunstância recomendaria obviamente contenção e serenidade: não estão a anunciar ao país o resultado do último «derby» futebolístico, estão a dar uma notícia triste que virá reforçar a tristeza de anteriores informações semelhantes. Trata-se, pois, da necessidade de não incorrer numa dessintonia entre o tom e o conteúdo das palavras usadas, afinal uma questão de unidade entre conteúdo e forma. Ou talvez, mais simplesmente, de bom senso e bom gosto.