O Cinema Web: os pequenos filmes do QuickTime
Filmes pequenos, destinados a visão individualizada no computador
Em 1994, Lev Manovich iniciou um projecto artístico com o propósito declarado de testar as possibilidades de produção cinemática originadas pela digitalização. Esta intenção estava bem expressa no seu título: Pequenos Filmes: Prolegómenos para o Cinema Digital – Volume I (Little Movies: Prolegomena for Digital Cinema – Volume I). O projecto consistiu na elaboração e apresentação de uma série de seis pequenos objectos audiovisuais, concebidos para a web. Cada um dos mesmos caracterizava-se por uma curtíssima duração – menos de um minuto –, e uma dimensão mínima – cerca de um megabyte em espaço de disco. A sua exibição era feita numa pequena janela de 120x100 pixéis, situada no centro do ecrã do computador, sobre um fundo negro. Para a elaboração dos filmes que compunham a série, Manovich recorreu a segmentos de filmes célebres da história do cinema. Neste exercício, o autor atribuiu um papel de relevo ao softwareQuickTime que utilizou para a elaboração e apresentação de todos os filmes.
No quadro de Little Movies, os elementos de pequena escala desempenhavam um papel essencial, estando presentes em múltiplos elementos. Estes, indiciados pelo próprio título da série, manifestavam-se na dimensão do ecrã, na resolução das imagens, no tamanho dos ficheiros, na duração das peças, na economia narrativa e de meios para a sua elaboração e, inclusivamente, nos próprios temas tratados. Os filmes pequenos e destinados a uma visão individualizada no computador traçavam ainda um paralelismo com uma outra forma cinema que não chegou a concretizar-se, a proposta elaborada por Thomas Edison de um cinema mínimo para visionamento individual: o quinetoscópio.
Na declaração de intenções do seu projecto, Manovich afirmou querer transformar essas limitações numa nova estética.
Num texto escrito em 1999, Nostalgia for a digital object: regrets on the quickening of QuickTime, a estudiosa de cinema Vivian Sobchack, manifestava crer, tal como Manovich, no contributo do QuickTime para a constituição de uma escrita cinemática alternativa à sua forma dominante. Por essa razão, a autora declarava a rejeição da designação filmes, usada para aludir aos seus objetos, já́ que lhes observava características distintas. O argumento fundamental da autora consistia em defender as formas de cinema alternativas, caracterizadas pela miniaturização, surgidas com a digitalização. Aquilo que outros, como referia a autora, observavam como um «primitivismo cinematográfico», ou seja, as características aparentemente limitadas, minimalistas, do QuickTime, eram, na sua perspectiva, a novidade que distinguia o cinema daquele período. Por isso, afirmava: não quero que os ‘filmes’ do QuickTime se tornem mais rápidos. Também não quero que se tornem maiores. Mais ainda, dado o valor e prazer que encontro na sua temporalidade fragmentada e no seu espaço intensamente condensado, não quero que atinjam o momento do ‘tempo real’ e da ‘imagem real’ – medidos, apesar de não terem de estar sujeitos a essa obrigação, de acordo com o padrão e por analogia com o cinema.
No entanto, como o título do artigo sugeria, esta defesa era já́ feita em forma de elegia. A autora concedia que era «só́ uma questão de tempo (...) e de compressão e de memória e de largura de banda» até que o novo medium assumisse a forma do cinema convencional. Esta mesma intuição fora, aliás, expressa por Manovich no segundo filme da referida série, nº 2On the Ephemeral Nature of Little Movies, em cujos intertítulos afirmara a obsolescência próxima dos seus pequenos filmes. Estes tornar-se-iam, em breve, dizia, «artefactos dos primeiros dias dos media digitais».