A vã cobiça
Desta vez o «Prós e Contras», cuja emissão surgiu com o título não muito esclarecedor de «100 Oportunidades», foi especialmente dedicado às camadas jovens que, como bem se compreende em face dos conteúdos previstos, estavam abundantemente representadas no auditório do Instituto Champalimaud. E, iniciadas as conversas, não foi preciso que passasse muito tempo até que fosse entendível qual a mais robusta ambição da juventude ali melhor ou pior representada: mandar. É certo que este desejo de mando não tem de ser sempre aberta e claramente expresso, e em verdade não o foi, mas iniciadas as intervenções depressa subiu à tona da conversa. Sem surpresa, é claro: desde sempre que uma das características de juventude foi o fastio de ser mandada e a instintiva ambição de conquistar o mando, sendo legítimo admitir que desse instinto sempre terá decorrido a dinâmica de mudanças nas sociedades, de avanços, de progressos. Convicção esta que compreensivelmente habita sobretudo as cabeças mais jovens, esquecidas (ou ignorantes) das palavras de Luís Vaz: «Ó glória de mandar, ó vã cobiça!»
Mandar para quê?
Ainda assim, porém, terão faltado ali uma ou mais intervenções tendencialmente moderadoras dessa sensível apetência pelo mando. É certo que o destino natural da juventude é o acesso ao poder, não apenas para o exercer em seu proveito mas também e sobretudo para usá-lo de acordo com os seus sonhos ou a sua mundivisão naturalmente diversa dos entendimentos das gerações anteriores. Porém, dificilmente será aceitável que essa avidez pelo mando surja como objetivo que se sacie com a conquista do poder e o seu uso. No concreto caso da sociedade portuguesa, e é claro que não apenas nele, a conquista do mando é inseparável de uma avaliação do que será aceitável e necessário fazer com ele, e a juventude portuguesa, ali em maior ou menor grau representada, não pode (e muito provavelmente nem quer) escapar à definição ainda que sumária de um futuro que em princípio estará nas suas mãos. Essa definição ou um esboço que dela se aproxime são forçosas consequências da maior ou menor ambição de acesso ao mando: não haverá nenhum vestígio de legitimidade moral ou cívica em ambicionar aceder ao poder «porque sim» ou só para escapar a uma subalternidade social efectiva ou apenas sentida. Aliás, em rigor a condição de juvenilidade é ela própria um poder que há-de ser exercido num quadro de exigências socioéticas. No debate (ou apenas conversa multilateral) havido neste «Prós e Contras» não houve nenhuma alusão a esse quadro. Fez falta.