Sabes como morreu o valente Militão?

FASCISMO A 2 de Janeiro de 1950 morreu na Penitenciária de Lisboa Militão Bessa Ribeiro, membro do Secretariado do Comité Central do PCP, assassinado pelo fascismo de modo particularmente cruel. Tinha 54 anos de idade, dez dos quais passados nas prisões, com duas passagens pelo Campo de Concentração do Tarrafal.

O assassinato de Militão Ribeiro foi lento e cruel

Se tivéssemos que escolher um crime do fascismo (entre os muitos que cometeu ao longo de 48 anos) que revelasse toda a sua frieza e brutalidade, o assassinato de Militão Ribeiro seria uma opção óbvia: o seu cadáver pesava apenas 32 quilos e a sua imagem evocava imediatamente os prisioneiros dos campos de extermínio nazi-fascistas. Nas cartas que conseguiu enviar para o exterior da Penitenciária, uma delas escritas com o próprio sangue, Militão Ribeiro fala do seu lento e cobarde assassinato, denunciando os maus tratos a que era sujeito, a alimentação desadequada e a assistência médica insuficiente.

As suas palavras revelam não só um sofrimento atroz mas sobretudo uma inquebrantável firmeza de convicções: «Fui envenenado com a maior e incrível crueldade que podeis imaginar. Tenho sofrido o que um ser humano pode sofrer. Nem sei como tenho tido forças para tanto. Mas com todo este sofrimento nunca deixei de ter fé na nossa causa. Sei que venceremos (…). Desde sempre mantive a disposição de dar a vida pelo Partido em todas as circunstâncias, assim como a dou de uma forma horrível e cheia de sofrimento.»

Na primeira das duas missivas que chegaram ao Partido (entre várias que escreveu), Militão Ribeiro assume a morte como próxima, não deixando nunca de ter a defesa do Partido como preocupação central. Em matéria conspirativa, assume, «muito teria a dizer».

Porém, realça, «tenho confiança que sabereis vencer todos os obstáculos e levar o povo à vitória, mantendo essa disciplina e controlo severo de uns sobre os outros em trabalho colectivo, como vínhamos fazendo e aperfeiçoando. Que infelicidade a minha só aos 50 anos ter começado a trabalhar desta forma. (…) Felizes os que vêm novos ao Partido e o encontram a trabalhar assim».

Militão Ribeiro morreu sem saber a situação da sua companheira, Luísa Rodrigues, presa na cadeia do Porto. Sujeita a brutais torturas, que inclusivamente a levaram a um estado psicológico muito débil, portou-se corajosamente perante os esbirros, cumprindo assim o desejo do companheiro, que numa das cartas lhe pedia que se mantivesse «fiel» ao Partido, que era também – e convictamente – o dela.

O funeral do dirigente comunista teve lugar em Murça, onde nascera, e nem a forte presença da PIDE no local impediu que muitos antifascistas lhe prestassem a sua homenagem. Em 1987, a Comissão Concelhia do PCP colocou no cemitério uma placa alusiva e a Assembleia Municipal incluiu-o na toponímia da Vila.

 

Empenhado construtor do Partido

Militão Bessa Ribeiro foi preso juntamente com Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira em Março de 1949, numa casa clandestina no Luso. Era, à data, membro do Secretariado do Comité Central, juntamente com o próprio Álvaro Cunhal, José Gregório e Manuel Guedes.

Nascido em Murça, Trás-os-Montes, emigrou muito novo para o Brasil, onde se fez operário. É aí que, nos quadros do Partido Comunista do Brasil, inicia a sua actividade revolucionária, razão pela qual é repatriado no início dos anos 30, tido como «indesejável». À chegada a Portugal, onde deveria ser preso, conseguiu escapar com a ajuda de um marítimo, regressando à sua terra natal, ingressando então no PCP.

Em Julho de 1934 foi preso pela primeira vez, no Porto, acusado de pertencer ao Socorro Vermelho Internacional: condenado a 12 meses de prisão, foi enviado para Peniche e depois para Angra do Heroísmo. Quando já havia cumprido a pena há mais de um ano, integrou o primeiro grupo de prisioneiros que «inaugurou» o Campo de Concentração do Tarrafal, de onde só sairia em 1940.

De volta ao País, retomou de imediato a actividade clandestina, fazendo parte do núcleo de militantes que se lançou na reorganização do Partido de 1940/41, que o transformaria definitivamente na grande força da resistência e unidade antifascistas. Militão Ribeiro integrou o primeiro Secretariado da reorganização, juntamente com Manuel Guedes e Júlio Fogaça. Em Novembro de 1942, na sequência do seu envolvimento num movimento grevista que se desenvolvida na altura, seria novamente preso e condenado a quatro anos de prisão. O destino foi, uma vez mais, o Campo da Morte Lenta do Tarrafal.

Com a derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, Salazar foi forçado a decretar uma ampla amnistia, que incluiu Militão Ribeiro, de imediato reintegrado nas fileiras do Partido e chamado ao Secretariado. Participou no importante VI Congresso do Partido, de Novembro de 1946, que consagrou o levantamento nacional como via paro derrube do fascismo.

Quando foi preso pela terceira vez, no final da década de 40, tinha já a sua saúde muito fragilizada por duas passagens pelo Tarrafal e pela dureza da vida clandestina que o fascismo impunha. Apesar disso, nunca deixou de desempenhar com especial dedicação as imensas e importantíssimas tarefas e responsabilidades que o Partido lhe atribuiu. Figura, em lugar destacado, no panteão dos construtores do PCP.

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«Sabes, ou alguém o sabe,

como morreu,

o valente,

Militão?

E sua mulher sabes tu

que enlouqueceu sob torturas?»

Pablo Neruda, A Lâmpada Marinha

 «Não há qualquer exagero em dizer que esse regime [isolamento prisional] é uma nova forma de tortura. Uns resistem a ela, outros, como esse grande patriota que foi Militão Ribeiro, perdem nela a vida, conforme tomei conhecimento já depois de me encontrar neste Tribunal.»

Álvaro Cunhal, defesa perante o tribunal fascista

 «O rigoroso regime prisional, a alimentação imprópria e a falta de tratamento começaram por agravar-lhe os padecimentos. Esteve semanas inteiras sem evacuar, sendo-lhe inclusivamente recusado um clister. Cada vez mais abatido, acabou por adoecer gravemente (…). A PIDE assassinou-o cruelmente, um crime lento, dos que não deixam vestígios. Militão morreu de inanição em 2 de Fevereiro de 1950.»

José Dias Coelho, A Resistência em Portugal

«Mais um crime do Governo salazarista! Mataram Militão Ribeiro (António)! Que todo o povo proteste contra mais este crime!»

Manchete do Avante!, Janeiro de 1950



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