Na passagem de um ano

Rui Mota

LI­VROS Estes dias que acom­pa­nham o final do ano são sempre pro­pí­cios a fazer ba­lanços do ano que passou e as­sumir pro­jectos e re­so­lu­ções para o novo ano que co­meça.

A exi­gência co­lo­cada pela ofen­siva ide­o­ló­gica impõe aos co­mu­nistas e seus ali­ados a lei­tura e o es­tudo

Lan­çamo-nos também nessa em­prei­tada, fa­zendo um le­van­ta­mento das no­vi­dades de 2019, quais foram os li­vros mais pro­cu­rados, e o que se pode desde já anun­ciar para 2020, com a cer­teza de que a luta, que vai con­ti­nuar, po­derá sempre contar com a com­pa­nhia de bons ca­ma­radas: os li­vros das Edi­ções Avante!.

Parte in­te­grante da luta po­lí­tica
Entre as vá­rias no­vi­dades pu­bli­cadas este ano, o maior des­taque segue para as obras Al­ter­na­tiva Pa­trió­tica e de Es­querda – Por Um Por­tugal com Fu­turo! e A União Eu­ro­peia Não É a Eu­ropa. Por­tugal e a In­te­gração Eu­ro­peia.

O pri­meiro apre­senta, a partir dos tra­ba­lhos da Con­fe­rência que de­correu em No­vembro de 2018 em Se­túbal, a al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda que o PCP de­fende e a po­lí­tica de que o País ne­ces­sita para ga­rantir o fu­turo de todos aqueles que tra­ba­lham, dos jo­vens e dos re­for­mados, no fundo de todas as classes, ca­madas e sec­tores an­ti­mo­no­po­listas, de todos os atin­gidos pela po­lí­tica de di­reita, dos que estão ver­da­deira e ge­nui­na­mente in­te­res­sados em in­verter o rumo na po­lí­tica na­ci­onal. A sua pro­funda di­fusão con­tri­buiu para a for­mação e in­ter­venção in­for­mada dos mi­li­tantes nas ba­ta­lhas po­lí­tico-ide­o­ló­gicas e para a di­vul­gação junto dos tra­ba­lha­dores e de todos os de­mo­cratas e pa­tri­otas das pro­postas e so­lu­ções que o PCP aponta com vista à cons­trução de um Por­tugal com fu­turo.

O se­gundo livro, da au­toria de João Fer­reira, reúne uma parte da sua ex­tensa pro­dução como de­pu­tado ao Par­la­mento Eu­ropeu, uma pro­dução que se dis­tingue não apenas pela quan­ti­dade mas também pela qua­li­dade, pois não se trata de textos de con­jun­tura ou do mo­mento, mas sim de uma aná­lise ao ca­rácter es­tru­tural desta cons­trução eu­ro­peia (ne­o­li­beral, fe­de­ra­lista, mi­li­ta­rista), iden­ti­fi­cando os res­pon­sá­veis que também estão em Por­tugal (a ac­tu­ação da troika na­ci­onal – PS, PSD e CDS – é, nestas ma­té­rias, in­dis­tinta). É a partir dessa aná­lise que se con­clui que a con­dição para a cons­trução de uma outra Eu­ropa, dos tra­ba­lha­dores e dos povos, é a der­rota do ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista e do pró­prio pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista da União Eu­ro­peia.

Di­vulgar os va­lores de Abril
Du­rante o ano de 2019 re­a­li­zaram-se vá­rias ini­ci­a­tivas em torno das Co­me­mo­ra­ções do 45.º ani­ver­sário da Re­vo­lução de Abril, sob o lema Os Va­lores de Abril no Fu­turo de Por­tugal. As Edi­ções Avante! en­vol­veram-se ac­ti­va­mente nas co­me­mo­ra­ções, com no­vi­dades e com uma cam­panha pro­mo­ci­onal de li­vros que va­lo­rizam as pro­fundas trans­for­ma­ções de­mo­crá­ticas que abriram a pers­pec­tiva de um novo pe­ríodo da his­tória de Por­tugal; e, ao mesmo tempo, com­batem a cam­panha de bran­que­a­mento da na­tu­reza ter­ro­rista da di­ta­dura fas­cista, si­len­ci­ando a luta he­róica dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês e em par­ti­cular es­con­dendo e fal­si­fi­cando o papel ímpar e de­ter­mi­nante do PCP.

Nesse con­texto, des­tacam-se A Ver­dade e a Men­tira na Re­vo­lução de Abril e a Fo­to­bi­o­grafia de Álvaro Cu­nhal, num plano mais global; li­vros como A Can­di­da­tura de Ar­lindo Vi­cente nas «Elei­ções» de 1958, de João Alves Fal­cato, 12 Fugas das Pri­sões de Sa­lazar, an­to­logia de textos or­ga­ni­zada por Jaime Serra, Um Co­mu­nista Sorri à Luta, de José Vi­to­riano, e as no­vi­dades O Vale do Sado no Mundo de Dois Opostos, de Amé­rico Lá­zaro Leal, e Coimbra, Dois Anos de Luta Es­tu­dantil, que con­tri­buíram para acres­centar di­men­sões mais par­ti­cu­lares da his­tória da re­sis­tência ao fas­cismo, da re­vo­lução e contra-re­vo­lução; e, na ficção, Até Amanhã, Ca­ma­radas e Um Risco na Areia, de Ma­nuel Tiago, e As Cri­anças Emergem da Sombra, de Maria Luísa Costa Dias (re­cen­te­mente re­e­di­tado), aju­daram a pro­jectar va­lores pro­gres­sistas de trans­for­mação so­cial para o fu­turo de Por­tugal.

Sem te­oria re­vo­lu­ci­o­nária...
... não pode haver mo­vi­mento re­vo­lu­ci­o­nário, dizia Lé­nine em Que Fazer? e con­ti­nu­amos a dizer nós hoje. E dando força a essa tese, per­ma­nece o en­tu­si­asmo pelos clás­sicos do mar­xismo-le­ni­nismo. Além do Ma­ni­festo do Par­tido Co­mu­nista, os tí­tulos com maior pro­cura foram Tra­balho As­sa­la­riado e Ca­pital e Sa­lário, Preço e Lucro, de Karl Marx, A Origem da Fa­mília, da Pro­pri­e­dade Pri­vada e do Es­tado e a no­vi­dade Ludwig Feu­er­bach e a Saída da Fi­lo­sofia Alemã Clás­sica, de Fri­e­drich En­gels, e O Es­tado e a Re­vo­lução, de V. I. Lé­nine.

Muitas destas obras têm uma pro­cura per­sis­tente ao longo dos anos, mas houve um re­no­vado in­te­resse na sequência das co­me­mo­ra­ções do se­gundo cen­te­nário do nas­ci­mento de Karl Marx, como se de­monstra também pela atenção pres­tada aos li­vros Karl Marx – Pe­quena Bi­o­grafia e Con­fe­rência do PCP Co­me­mo­ra­tiva do II Cen­te­nário do Nas­ci­mento de Karl Marx.

Uma nota par­ti­cular ainda sobre O Ca­pital. Cons­ci­ente da exi­gência que o seu es­tudo co­loca, mas também da ne­ces­si­dade de o fazer, Marx avisa que «Não há es­trada real para a ci­ência e só têm pos­si­bi­li­dade de chegar aos seus cumes lu­mi­nosos aqueles que não temem fa­tigar-se a es­calar as suas ve­redas es­car­padas». Por isso é igual­mente en­tu­si­as­mante a pro­cura em torno do pri­meiro tomo da obra, sinal de que muitos se têm lan­çado no início dessa vi­agem.

Também de lei­tura es­sen­cial, pela ac­tu­a­li­dade das suas aná­lises e ques­tões que se tornam uma va­liosa fer­ra­menta para a acção, o en­saio O Par­tido com Pa­redes de Vidro, de Álvaro Cu­nhal, é, nas suas pró­prias pa­la­vras, uma forma para que «quem está de fora possa ob­servar o Par­tido como que através de pa­redes de vidro». Sendo se­gu­ra­mente muito útil para novos mi­li­tantes, trata-se na ver­dade de uma lei­tura de re­fe­rência, que ne­ces­sita de uma vi­sita cons­tante e re­gular para todos. Como acon­tece, aliás, com uma boa parte dos textos de Álvaro Cu­nhal, se­gu­ra­mente uma das ra­zões pelas quais também des­pertou tanta cu­ri­o­si­dade o úl­timo vo­lume de Dis­cursos Po­lí­ticos, com textos es­critos en­tres 1995 e 2003, que saiu na Festa do Avante! deste ano.

Uma forma de re­sis­tência
A li­te­ra­tura, a ficção e a po­esia, pro­vo­caram também muita cu­ri­o­si­dade du­rante este ano que passou. Os ro­mances da co­lecção Bi­bli­o­teca Avante!, como A Mãe, A Der­rota e a no­vi­dade Os Ho­mens da Cor do Si­lêncio, sobre a re­vo­lução cu­bana (cujos 60.º ani­ver­sário se as­si­nalou no pri­meiro dia do ano) ti­veram todos grande pro­cura, bem como Dez Dias Que Aba­laram o Mundo, cujo cen­te­nário da pu­bli­cação se as­si­nalou este ano; como teve também (e con­tinua tendo) Es­teiros, ro­mance pi­o­neiro do neo-re­a­lismo da au­toria de So­eiro Pe­reira Gomes, que de­monstra a im­por­tância e pe­re­ni­dade desse mo­vi­mento – algo que é também cor­ro­bo­rado pelo in­te­resse que teve o en­saio de Ma­nuel Gusmão Neo-Re­a­lismo. Uma Poé­tica do Tes­te­munho.

Fa­lando de Ma­nuel Gusmão, A Foz em Delta, o seu mais re­cente livro de po­emas, jun­ta­mente com Obra Poé­tica e As Pa­la­vras das Can­tigas, de José Carlos Ary dos Santos, foram os grandes des­ta­ques na po­esia, todos eles de­mons­trando a va­li­dade da tese de que a po­esia pode ser uma forma de re­sis­tência.

É, aliás, de re­sis­tência que nos fala Podem Chamar-me Eu­rí­dice..., esse be­lís­simo ro­mance de Or­lando da Costa, quando nos lembra que «fazer face à luta é ainda e sempre mais im­por­tante que ga­nhar». Foi agora re­e­di­tado numa edição es­pe­cial de capa dura, co­me­mo­ra­tiva dos 90 anos do nas­ci­mento do autor co­mu­nista, e conta com um pre­fácio de Ana Mar­ga­rida de Car­valho e pin­turas de José Santa-Bár­bara.

Para ter­minar, re­ferir, no âm­bito das artes plás­ticas, o con­ti­nuado in­te­resse nos De­se­nhos da Prisão e nos Pro­jectos de Álvaro Cu­nhal, e o en­tu­si­asmo com que foi re­ce­bido o livro in­fantil A Vi­agem de Ale­xandra, um texto de Pa­pi­niano Carlos edi­tado no final de 2018 com ilus­tra­ções ori­gi­nais de Su­sana Matos, e que é uma vi­agem ma­ra­vi­lhosa à cir­cu­lação do sangue.

Um in­tenso tra­balho pela frente na luta ide­o­ló­gica
Feito este ba­lanço do que se passou em 2019, o que se pode já apontar para o ano que em breve se inicia? Sa­bendo que a luta vai con­ti­nuar num quadro po­lí­tico e ide­o­ló­gico mais com­plexo – que exi­girá um de­ci­dido com­bate à ofen­siva ide­o­ló­gica –, a coin­ci­dência das co­me­mo­ra­ções dos 200 anos do nas­ci­mento de Fri­e­drich En­gels e dos 150 anos do nas­ci­mento de V. I. Lé­nine terão também como re­sul­tado a edição de vá­rias obras, com des­taque para a edição de Anti-Düh­ring, um texto fun­da­mental da fi­lo­sofia mar­xista. Nas pa­la­vras de Lé­nine, aliás, «Onde as suas [de Marx e En­gels] opi­niões apa­recem ex­postas com maior cla­reza e por­menor é nas obras de En­gels Ludwig Feu­er­bach e Anti-Düh­ring, as quais – da mesma forma que o Ma­ni­festo Co­mu­nista – são os li­vros de ca­be­ceira de todo o ope­rário cons­ci­ente.» (As Três Fontes e as Três Partes Cons­ti­tu­tivas do Mar­xismo).

E, claro, terão igual­mente grande im­por­tância e sig­ni­fi­cado nessa ba­talha ide­o­ló­gica as co­me­mo­ra­ções do cen­te­nário do Par­tido, que se as­si­nala em 2021, não apenas para va­lo­rizar a sua his­tória ímpar ao ser­viço dos tra­ba­lha­dores, do povo e da pá­tria, mas também para afirmar a sua iden­ti­dade co­mu­nista e o seu pro­jecto de fu­turo.

Por tudo isto, é na­tural acom­pa­nharmos José Carlos Ary dos Santos, no seu poema Na pas­sagem de um ano:

Por isso é que no tempo em mo­vi­mento

Cada ano que passa é menos tempo

Para chegar ao tempo da vi­tória.

 



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