Mais uma COP, a mesma mercantilização da natureza
O que é preciso pôr em causa é o próprio sistema, predador de recursos
A 25.ª Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (COP25) juntou entre 2 e 13 de Dezembro, em Madrid, os 197 países que assinam a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima. O debate gravitou, uma vez mais, em torno do art. 6.º do Acordo de Paris e das regras do mercado de carbono, das metas nacionais, das contribuições líquidas para o Fundo de Adaptação, perdas e danos e dos critérios e gestão a adoptar.
Confirmou-se a opção de limitar as soluções à mercantilização das emissões de CO2 e Gases com Efeitos Estufa (GEE), numa discussão que juntou governantes de todo o mundo mas que ainda assim passou ao lado da raiz dos problemas, ao insistir nessas mesmas leis do mercado aplicadas à natureza em vez de questionar o sistema capitalista e o modelo de produção e consumo dominante.
O mercado de carbono, em que cada crédito equivale a uma tonelada de CO2 (ou o correspondente de outro GEE), tem sido o alfa e ómega das negociações internacionais em matéria ambiental. Paga-se para poluir: um país (ou região, indústria) que não cumpre as metas pode pagar e compensar a diferença, tal como um país pode gerar créditos de carbono para vender.
Ao contrário do que foi apontado durante a Conferência, a perniciosidade deste mercado não se limita à dupla contagem (os mesmos créditos são contabilizados duas vezes, por quem compra e por quem vende). Este mecanismo é ineficaz e perverso por vários motivos: não se trabalha para uma real redução da poluição, mas sim para a «contabilidade»; há tendência em assumir metas baixas, de modo a que, ultrapassando-as, se possam vender créditos; o preço da tonelada de CO2 sujeito à oferta/procura gera vários efeitos, entre os quais um potencial aumento bruto de emissões, no caso de «inundação» do mercado pelos países que têm muitos créditos (pela sua dimensão, área florestal, financiamento de projectos, etc.). Por exemplo: se, como alguns pretendem, os créditos de Quioto continuarem a valer no mercado do Acordo de Paris de 2020, o valor baixa e fica muito barato poluir.
Acresce que, sendo permitido compensar as emissões domésticas financiando «programas de desenvolvimento sustentáveis» em países em desenvolvimento, se aprofundam relações de dependência ao estilo colonialista, mascaradas de verde. Aliás, foi anunciado que 85% dos projetos financiados através desse mecanismo eram viáveis sem apoios, ou seja, o sector público esteve a financiar o privado. Portugal, numa fase prematura, já investiu 2,5 milhões em projectos no continente africano.
É paradigmático que sejam empresas do sector energético (Acciona, Endesa, Iberdrola) ou até a BMW as principais patrocinadoras da COP, em contraste com a narrativa de um capital resistente à transição energética. Pelo contrário, aposta forte nas chamadas «energias limpas» e especulação carbónica.
Em sentido contrário, e como alguns mais desalinhados afirmaram durante a COP, é crucial afirmar um caminho de redução das emissões com objectivos definidos sobre o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas. Urge denunciar ideias de «crescimento 0» e desindustrialização, que remetem para a petrificação da desigualdade entre classes e nações, contrariar a liberalização do comércio mundial, encurtar os ciclos de produção-consumo, apostando na produção nacional, agricultura e pesca sustentáveis. Esta luta tem de ser também uma luta pela paz, pois a guerra, o militarismo, o armamento são indústrias altamentes poluentes, responsáveis pela destruição de vidas humanas e ecossistemas.
É ainda de lembrar que a COP25 se ia realizar no Chile e que foi acolhida em tempo recorde por Espanha, após o governo de Piñera afirmar não ter estabilidade social para a receber. Apesar de ser o «elefante na sala», em Madrid não se ouviu palavra sobre a repressão violenta do povo em luta contra a política de direita, de subserviência aos monopólios e capital transnacional, em que se inclui ironicamente a privatização e exploração desenfreada de recursos minerais como o lítio, tão valorizados no tempo dos automóveis eléctricos.