Antifascistas assinalam três anos de luta e conquista em Peniche
VITÓRIA Com a luta, foi abandonado o projecto de transformar a Fortaleza de Peniche num hotel de luxo e está a concretizar-se o sonho de ali instalar o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.
Permanece actual a necessidade de lutar contra o fascismo
Em ambiente de festa, com muitos sorrisos e com expressões de orgulho justificado, centenas de pessoas reuniram-se no sábado, dia 26, na Fortaleza de Peniche, para o 3.º encontro-convívio de ex-presos políticos, familiares e antifascistas, organizado pela URAP (União de Resistentes Antifascistas Portugueses) para assinalar os três anos decorridos desde o início da mobilização que acabou por impedir a transformação do fortaleza numa unidade hoteleira de luxo e por conduzir à decisão de instalar ali um museu da resistência à ditadura.
Com os grupos vindos dos distritos de Aveiro, Coimbra e Évora, decorreram no final da manhã visitas, conduzidas por antigos presos políticos. Com os seus relatos vividos, aqui e ali entrecortados por contributos de alguns dos visitantes, os grupos passaram por celas e pelo Memorial com os nomes dos 2510 resistentes que nelas foram encarcerados; entraram no Parlatório e souberam dos impedimentos de todo o género que eram levantados ao convívio com familiares e amigos durante as visitas; subiram ao Fortim Redondo, evocando o rigoroso Segredo e as heróicas fugas protagonizadas por Francisco Miguel e Jaime Serra, em 1950, por António Dias Lourenço, em 1954, e por Álvaro Cunhal e mais nove camaradas, a 3 de Janeiro de 1960.
Ponto obrigatório de visita, tanto para as dezenas de pessoas que integraram cada um daqueles grupos, como para as muitas mais que estiveram na Fortaleza ao longo do dia, foi a exposição «Por Teu Livre Pensamento», ali patente durante a actual primeira fase de funcionamento do museu. Em vitrinas e painéis tradicionais ou com recursos a vídeo e meios informáticos, estão ali documentos da luta e da resistência, produzidos por prisioneiros, mas também notícias do exterior, como um exemplar do Avante! datado de 1962 e que foi encontrado numa cela, em 1987, quando foi removido um armário de parede.
Por estes e muitos mais motivos de interesse, o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade conquistou mais de 100 mil visitantes, num curto período de menos de seis meses, desde a inauguração desta sua primeira fase, que coincidiu com o 45.º aniversário da Revolução de Abril e da libertação dos presos políticos em Peniche, a 27 de Abril.
«Estamos e estaremos atentos»
De tarde, com sol e pouco vento, no anfiteatro criado com um palco e cadeiras entre o Memorial e a muralha, o encontro-convívio decorreu com música e poesia, a cargo dos elemento do grupo «Amigos de Abril», e com intervenções de antigos presos políticos e dirigentes da URAP.
Fosse aplaudindo, fosse trauteando as conhecidas letras de canções da resistência e da revolução, fosse gritando «25 de Abril, sempre! Fascismo nunca mais» (que se destacou nas palavras de ordem), o público foi imprescindível actor.
João Neves, do núcleo de Peniche da URAP, que fez as apresentações, começou logo por assinalar a decisão de criação do museu como «uma vitória de Abril».
Marília Villaverde Cabral, coordenadora da URAP, recordou como ali se reuniram «mais de seiscentos», em 2016, «cheios de uma grande indignação pelo anúncio, feito pelo Governo, de que este símbolo do que foi o fascismo se transformaria numa pousada turística de luxo».
Desde então, «não parámos até conseguirmos ter a resposta que aqui, onde foi uma prisão de alta segurança, viesse a ser um museu, no qual os visitantes pudessem ver os locais onde os presos políticos viveram anos a fio, foram castigados ou torturados, e os documentos, fotografias, vídeos, que retratam factos desse período negro da nossa História, e onde investigadores, mestrandos e doutorandos pudessem enriquecer os seus trabalhos».
Com «tanta tradição» que o convívio «tem na nossa luta antifascista», Marília Villaverde Cabral observou que «hoje é mais um dia de convívio», «mas é também um dia para demonstrar que aqui estamos e estaremos atentos para que o Museu seja mesmo uma realidade».
Coube a Vítor Dias falar sobre o livro «Forte de Peniche – Memória, resistência e luta», editado pela URAP, lançado a 4 de Maio de 2017 e que, com a 5.ª edição agora saída, chega aos 11 mil exemplares de tiragem, o que representa «um notável êxito, bem demonstrativo do interesse que despertou». O livro foi também «um valioso instrumento» da luta contra a transformação do forte num hotel e pela edificação do museu.
Vítor Dias destacou alguns conteúdos, como os relatos sobre as condições prisionais, as fugas, a libertação dos presos a 27 de Abril de 1974, a lista de nomes e, agora, também a naturalidade, dos 2510 antifascistas que ali cumpriram penas, desde 1934.
Com efeito, parte importante deste livro é ela própria a história densamente documentada da movimentação democrática em torno de objectivo atrás referido, desde a petição lançada em Outubro de 2016 e subscrita por 9635 cidadãos e entregue na AR em 26 de Janeiro de 2017 até à jornada popular da inauguração da 1ª fase do Museu em 27 de Abril de 2019, passando pelo dois anteriores encontros-convívios em 29 de Outubro de 2016 e de 2 de Outubro de 2018 e ainda pela jornada de inauguração do monumento aos presos políticos em 9 de Setembro de 2017.
José Pedro Soares sublinhou a importância deste encontro-convívio, três anos depois de uma outra jornada que levou à derrota do projecto hoteleiro e à concretização do museu, cuja criação tinha sido defendida logo desde o 25 de Abril e até ficara inscrita numa resolução do primeiro Governo constitucional, em 1976.
A propósito da coincidência de datas com a abertura do campo de concentração do Tarrafal (29 de Outubro de 1936, chegada dos primeiros prisioneiros), o dirigente da URAP e ex-preso político apelou a uma salva de palmas, saudando todos os que lutaram contra o fascismo – e o apelo foi entusiasticamente correspondido.
Para além do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, José Pedro Soares enalteceu o «extraordinário trabalho» que está a ser desenvolvido pelos activistas da URAP para tornar também em museu a antiga sede da PIDE no Porto.
Culto a Salazar é para travar
«Consideramos extremamente importante estudar, aprofundar o que muitos chamam “Estado Novo”», afirmou Marília Villaverde Cabral, que na sua intervenção considerou que o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade é disso um bom exemplo. Mas, reafirmou a coordenadora, «recusamos um simulacro de museu, quer se chame de Salazar ou com outro nome qualquer», renovando o apelo à subscrição da petição lançada pela URAP .
Durante a iniciativa foi feita a recolha de assinaturas para esta petição, dirigida à Assembleia da República.
A URAP e os subscritores rejeitam a ideia de criação de um espaço, em Santa Comba Dão, que seria «um instrumento para congregar saudosistas do passado» e «centro de divulgação e acção enquadradas na matriz corporativa/fascista que a maioria do povo sofreu».
Além da subscrição nas folhas que circulam em mãos de activistas antifascistas, a petição está também a recolher apoios na Internet (https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=naoaomuseusalazar).