Sofreguidão e responsabilidades próprias

Rui Fernandes

Há deficiências e problemas no Exército e conflitos na sua estrutura superior

Lusa

O interesse que tenho em acreditar numa coisa
não é a prova da existência dessa coisa.

Voltaire

O PSD e o CDS voltaram sofregamente à carga com o caso de Tancos. Clarifiquemos então mais uma vez que, quando surge a proposta de constituição de uma Comissão de Inquérito (CI), o PCP com toda a naturalidade afirmou que, estando já nessa altura a correr processo na Justiça, o que fazia sentido era deixar esse processo prosseguir e quando o mesmo estivesse encerrado logo se avaliaria a situação e agir-se-ia em conformidade.

Até porque, estando a Justiça já a investigar, seria óbvio que muitos dos que teriam de ser ouvidos na Comissão estariam condicionados pelo segredo de Justiça. Ficámos, com muita honra, sozinhos nesta posição, mas a vida deu-nos razão.

A CI foi constituída com um resultado à partida previsível. Por outro lado, desde muito cedo se percebeu que o CDS e o PSD queriam que ela concluísse não de acordo com aquilo que nela apareceu, mas de acordo com aquilo que ambos pretendiam. Hoje aparecem a bramir que tinham razão, mas não tinham. Aliás, não tinham e, por enquanto, ainda não têm porque, havendo hoje, inegavelmente, dados mais claros sobre o assunto, falta que os mesmos sejam validados.

Nesta como noutras matérias, independentemente da opinião e juízo que cada um faça, é preciso a sua validação, sob pena de a Justiça passar a ser a Justiça dos «ditos que cada um decide atirar» a partir daquilo que uns decidem publicitar.

Para o PCP, como dizemos desde o princípio e aqui se repete, tudo deve ser apurado, mas para nós a expressão apurado quer dizer tudo devidamente comprovado e é à Justiça que compete fazê-lo, como aliás o está a fazer.

Lições aprendidas ou talvez não

Mas a CI foi útil porque pôs a nu as inúmeras deficiências e problemas dentro do Exército e os conflitos existentes na sua estrutura superior. Problemas cujos responsáveis são o PS, o PSD e o CDS, com as políticas que têm promovido em irmandade.

Com justeza aqui se pode aplicar a máxima do Marquês de Maricá: «Ocupados em descobrir os defeitos alheios, esquecem-se de investigar os próprios». O estado das instalações; o método de escolha das Chefias; os critérios de avaliação do mérito relativo; o desinvestimento; a rejeição da assumpção do quadro conceptual que enforma a Polícia Judiciária Militar; a cedência de militares para missões complementares, descurando as prioritárias, em nome de uma projecção social das forças armadas; o envio de militares para missões externas em condições e meios inadequados, e o rol podia continuar, tudo isto, em maior ou menor grau, perpassa no relatório e é um instrumento útil de trabalho para quem, ocupando cargos governativos, queira corrigir o rumo que há muitos anos tem vindo a ser seguido.

Desconfia-se é que exista essa vontade. Ouvir o actual Ministro da Defesa Nacional (MDN) dizer que, tendo em conta a dificuldade de recrutar praças, talvez tenha de considerar a criação do Quadro Permanente de Praças no Exército, quando se constata que na Marinha – que há muito tem Quadros Permanentes de Praças – esse quadro não está completado, suscita interrogações. Mas será assim tão difícil perceber que, entre outras razões, sem mexer nas tabelas remuneratórias o «navio» não desencalha?

Ninguém percebe que as saídas antes do tempo, hoje já não são só um problema nos Praças, mas também nos Sargentos e nos Oficiais, incluindo nos que entram em contrato? Ninguém percebe a injustiça e os problemas que está a causar o actual Regulamento de Avaliação e a necessidade da sua urgente alteração? Ninguém percebe a injustiça e o que induz do ponto de vista conceptual, o modelo criado de um Subsídio da Condição Militar desigual, tornando uns «mais militares» do que outros? Ninguém quer reflectir sobre o método de escolha das Chefias? Enfim, há muita coisa urgente para tratar, mas não era a das novas fardas e boinas.




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