Aniversário
O Telejornal, principal momento informativo da operadora pública de televisão, completou 60 anos de existência por vezes difícil e atribulada e, como era adequado e compreensível, festejou o aniversário. Desses festejos fizeram parte um olhar retrospectivo e uma entrevista ao senhor Presidente da República. Em ambos os casos, tudo se ficou pelas felicitações que um aniversário sempre ocasiona e nada mais de relevante. Contudo, bem se justificava algo mais: é que estes sessenta anos festejados justificam, bem se pode dizer que em rigor impõem, a sua divisão em dois troços: um primeiro que vai de 1957 (ou mesmo de 56 se nele quisermos incluir o período experimental) até Abril de 74 e um outro que de Abril chega à actualidade. E o que distingue entre si estes dois períodos tem um nome bonito: Liberdade. Ainda que, como bem se sabe e todos os dias podemos comprovar, há muitas maneiras de viver a Liberdade e nem todas elas são exemplares.
Lembrar tudo
De qualquer modo, estará certo festejar esses sessenta anos, que é uma conta redonda e bonita, mas que o façamos com cabecinha, o que neste concreto caso significará que o façamos com memória. É que, desses sessenta anos, viveu o Telejornal cerca de dezassete agrilhoado por uma censura sobrevigilante, com agentes censórios e policiais sempre presentes até nos estúdios. A partir de 61 arrancou o tempo sinistro do «adeus, até ao meu regresso!», estribilho triste que era praticamente o único sinal de que existia uma guerra em três frentes onde milhares de jovens portugueses morriam ou ficavam mutilados no corpo ou na alma: era a consequência trágica da ficção política de um «Portugal uno e indivisível» que o governo adoptara e o país duramente pagava. Aconteceu então que um jovem Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente ao abrigo de condescendências peculiares, publicou no diário «A Capital» artigos de opinião acerca da política governamental para a África que não passariam decerto pela rede censória se a assinatura fosse outra. Era, porém, um canto da Imprensa, e a televisão era uma teia mais apertada. Não teria sido excessivo, digamos mesmo que teria sido imperativo, que o festejo dos sessenta anos agora cumpridos tivesse tido um olhar especialmente atento (e a memória especialmente mobilizada) para o tempo em que o Telejornal foi (digamos que obrigado a ser) o mordomo atento e submisso de um governo criminoso. Porque há factos e situações que não podem ser esquecidas. Mesmo que em tempo de felizes e redondos aniversários.