O desvio
É costume que as campanhas eleitorais se centrem sobre as práticas dos diversos partidos num passado mais ou menos recente e os seus projectos para um futuro mais ou menos próximo. Ao telespectador comum, porém, parece que desta vez não é assim: a julgar pelo que vê e ouve no seu televisor, o grande tema da campanha eleitoral que termina agora é o chamado «Caso de Tancos», um singular roubo de material bélico acontecido há já não se sabe bem quantos meses e anulado por uma estranha devolução. O assunto tem vindo a ser impulsionado pelos partidos da direita, aparentemente mais motivados para se ocuparem com uma espécie de estória policiesca que para abordarem questões mais relevantes e sobretudo mais políticas. É claro, porém, que cada qual cose com as linhas de que dispõe, e esta utilização do «Caso de Tancos» como granada principal da sua artilharia confirma a penúria de munições depois do impacto negativo da gestão do governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho com a cumplicidade do CDS de Assunção Cristas, a decerto excelente senhora que, permita-se que o recordemos, veio ao mundo curiosamente no exacto dia em que, sob convocação do hoje quase esquecido António Spínola, a suposta «maioria silenciosa» deveria sair à rua para travar Abril.
Um outro risco
Fossem outros os tempos e o «Caso de Tancos» seria imputado aos comunistas; agora foi aproveitado para um intenso tiroteio sobre o governo do PS, tornando-se o mais badalado argumento disparado pela oposição de direita. Por isso Tancos é palavra que tem vindo a ser insistentemente ouvida nos telenoticiários que nos visitam. Vistas as coisas um pouco de perto, não parece fácil saltar de Tancos para S.Bento, digamos assim, mas é claro que cada qual reza aos santinhos que supõe acessíveis. Porém, para que esta espécie de ofensiva pareça pelo menos um pouco eficaz é preciso operar um desvio: é que o PM não terá estado pessoalmente de guarda à porta do paiol de Tancos, nem mesmo qualquer dos seus ministros, apenas podendo ser disparado contra eles o argumento da responsabilidade, sempre disponível em tais casos. Mas bem se sabe que o incomoda a direita não é a aparente fragilidade da segurança em Tancos mas sim um outro risco: que destas eleições resulte a criação de uma correlação de forças na Assembleia da República que determine avanços políticos a favor dos trabalhadores e do povo. De onde o bombardeamento televisivo e, mais amplamente, mediático. Porque em face do já acontecido na AR, não pode a direita, coitada, viver descansada.