O CONCERTO VAI COMEÇAR
Quando o relvado se encher de gente de todas as idades e as luzes da Festa se instalarem na escuridão da noite irá começar o Concerto. Em redor, nos pavilhões das organizações regionais, já foi pregado o último prego (naquele dia inicial há sempre um prego que sobrevive ao acto de abertura), mas o primeiro turno da militância já vai ser rendido nos lugares todos da Festa, das portas de entrada ao posto médico. Os visitantes da Festa, uns descendo a partir da porta da Quinta da Princesa, outros subindo pela Quinta do Cabo (milhares logo no primeiro dia), é pelo olhar que farão as primeiras descobertas desta edição de 2019. Só depois virão os sons e o convívio. A Festa são, de início, as paredes coloridas, o desenho das palavras de ordem, as pinturas murais todos os anos diferentes numa imensa exposição de artes plásticas que acolhe todas as formas de representar esteticamente o nosso mundo.
Desde que o Palco 25 de Abril passou a receber o Concerto de Música “Clássica” (as aspas justificam-se, já que o género tem abundante rotulagem), que sexta-feira é dia de abrir as portas da maior sala de concertos de Portugal. Faz sentido que assim seja. A Festa do Avante! vem sendo, desde sempre, o palco de toda a música criada por mãos humanas. Por isso é que a música que tem lugar cativo na História (juntamente com a música do povo) tinha de estar presente no território onde é celebrada a Humanidade e os mais belos encontros de que foi capaz.
Beethoven, Mendelssohn, Schumann, Rachmaninov, Ravel. Cinco compositores que respondem na Festa por um período que vai “do Romantismo ao Modernismo” ou, contados os anos de outro modo, dos finais da Revolução Francesa à Revolução de Outubro. Pouco mais de 100 anos em que se desenvolveram alguns dos mais significativos acontecimentos históricos que anunciavam um novo tempo (que ainda é o nosso). Ali, entre o Romantismo e o Modernismo, escreveu-se como nunca antes se ousara escrever, pintou-se como não era uso pintar, lutou-se organizadamente como não se sabia ser possível, compôs-se música segundo regras que romperam regras de antanho. Esta é a música que verá nascer o Manifesto do Partido Comunista (1848), de Marx e Engels; a música que assistirá à vitória da burguesia sobre a aristocracia e do proletariado sobre a burguesia; a música que, no tempo mesmo em que é escrita, está prestes a abandonar o recato da sala de concertos para se instalar no meio de toda a gente.
Beethoven, Mendelssohn, Schumann, Rachmaninov, Ravel. Sinfonietta de Lisboa, Vasco Pearce de Azevedo, Trio Adamastor, António Rosado. Palco 25 de Abril e público da Festa. Primeiro vai soar a Carvalhesa, levantar-se o pó da dança que ali nasceu, ouvir-se o clamor das vozes que vai ser o eco do acorde final. Entre os muitos que tomam assento na relva fresca percebem-se muitos rostos habituais, muitos rostos novos. Agora sim, o concerto vai começar.