Nem uma cadeira vazia há oitenta e oito anos

José Augusto

O espectador deixa de ver títeres, e todos no palco lhe começam a parecer apenas pessoas de carne e osso

O Teatro Académico Público Central, também conhecido por Teatro de Bonecos de Moscovo ou, muito simplesmente, Teatro Obraztsov, não tem uma cadeira vazia desde há 88 anos, isto é, desde a sua criação. Neste capítulo, nem o Bolchoi lhe leva a palma.

Fundado e dirigido desde 1931 por Serguei Obraztsov, falecido em 1992, a sua profunda cave serviu de abrigo durante a Guerra Pátria. Possui também, nas mesmas instalações, um museu com mais de 4 mil peças de todo o mundo ligadas à arte bonecreira. São títeres, tecnologia e documentos que ilustram a cultura e a evolução, ao longo dos séculos, deste género de arte.

Situado na pequena circular rodoviária da capital russa, o teatro é mundialmente conhecido pela originalidade dos seus espectáculos, que prendem a atenção do público pelo humor inexcedível com que abordam quadros históricos, incluindo bíblicos, ou do nosso quotidiano. Estes são-nos dados através da conjugação de actores e marionetas que se movimentam em cena simultaneamente e com tal capacidade e técnica ilusória que, volvidos escassos minutos, o espectador deixa de ver títeres, e todos no palco lhe começam a parecer apenas pessoas de carne e osso.

Ficam para a história da arte peças como A Lâmpada de Aladino, D. Juan, O Concerto Extraordinário, A Divina Comédia, a Criação do Mundo ou A Arca de Noé.

Nesta última, as cenas durante o Dilúvio, passadas na arca, onde viaja o patriarca e sua família, mais alguns casais de animais puros e impuros, arrancam ao público vagalhões de gargalhadas. Já perto do Monte Ararat, onde a Arca encalhou, Deus mandou reservar mesa num dos melhores restaurantes de Moscovo, modo de compensar as privações por que navegaram Noé e companhia. E aí, já abancados, fome saciada, pergunta o Supremo: «Ora digam-me lá, que posso eu fazer por vós, eu que tudo posso?» O pedido de um dos filhos de Noé: «Pelas tuas alminhas, faz que gostem de nós as pessoa de quem nós gostamos!» E Deus: «Eu afirmei que posso tudo, mas não que me chega o poder para tanto!» Tudo dito.

Certas falas ficaram gravadas em muitas mentes que tiveram a sorte de assistir às peças do Teatro de Bonecos de Moscovo. Como esta: «A minha função é elevar o seu nível cultural de forma a que nem o senhor nem os seus familiares dêem por isso!» Ou, «a coreografia é a arte de mexer os pés!». Ou ainda: «Eu disse uma piada, se é que entendem!»

Outra das atracções do Teatro Obraztsov é um relógio magnífico e reluzente, virado para a rua. Miúdos e graúdos passam tempos de nariz no ar a observar a rotação de bonecos que vai marcando o correr do tempo, nomeadamente às onze da manhã quando o lobo aparecer à janela.




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