O RASI e as teorias do caos e punitivas

Rui Fernandes

O baixo in­ves­ti­mento é um dos mais graves pro­blemas do sis­tema de se­gu­rança in­terna

A onda pu­ni­tiva e jus­ti­ci­a­lista que por aí se es­palha como azeite, mesmo que os en­qua­dra­mentos le­gais exis­tentes te­nham a res­posta e muitas das di­fi­cul­dades se si­tuem na falta de meios hu­manos e ma­te­riais, e ine­xis­tentes apoios es­pe­ci­a­li­zados, não serve o re­gime de­mo­crá­tico. Que não fi­quem dú­vidas, ou pre­ve­nindo pro­po­si­tadas dis­tor­ções: um só crime que pu­desse existir, de­veria me­recer atenção. Uma cri­ti­cável de­cisão de um juiz pelos fun­da­mentos usados, deve me­recer es­cru­tínio. Não é isso que está em causa.

Está em causa o apro­vei­ta­mento es­pe­cu­la­tivo de tais casos para pro­curar criar um clima ar­ti­fi­cial e, nesse es­teio, de­fender a adopção de me­didas que não só não as­sentam na re­a­li­dade ob­jec­tiva, como visam apertar a malha dos di­reitos e li­ber­dades.

Os dados re­fe­rentes ao ano de 2018, cons­tantes no Re­la­tório Anual de Se­gu­rança In­terna (RASI), e re­sul­tado da com­pi­lação de dados de todas as forças e ser­viços de se­gu­rança, des­mentem por com­pleto tal clima. Que nos diz o RASI? Diz-nos que a cri­mi­na­li­dade grave e vi­o­lenta re­pre­senta apenas 4,2% de toda a cri­mi­na­li­dade par­ti­ci­pada. No que res­peita à vi­o­lência do­més­tica, re­gista-se também um li­geiro de­crés­cimo no nú­mero de par­ti­ci­pa­ções em 2018 face ao ano de 2017 e que Lisboa, Porto, Braga, Se­túbal e Aveiro con­cen­tram 60% das ocor­rên­cias, em­bora as taxas de in­ci­dência mais ele­vadas se re­gistem nas Re­giões Au­tó­nomas (7%) para uma taxa de in­ci­dência no con­ti­nente de 2,5%. Em 53% dos casos a vi­tima é côn­juge.

Ne­nhum destes, e muitos ou­tros dados cons­tantes do RASI, con­tra­dizem a ne­ces­si­dade de sobre cada área de pro­blemas ser pros­se­guida a adopção de me­didas que res­pondam aos pro­blemas, desde logo me­lho­rando as con­di­ções ma­te­riais, téc­nicas, for­mação, etc., dos pro­fis­si­o­nais res­pec­tivos, o nú­mero de efec­tivos com ca­pa­ci­tação es­pe­ci­a­li­zada (olhe-se para o sis­tema pri­si­onal), mas também as redes de su­porte li­gadas a al­gumas pro­ble­má­ticas como seja, por exemplo, o caso da vi­o­lência do­més­tica ou das cri­anças e jo­vens em risco.

Um dos prin­ci­pais pro­blemas a gerar en­tropia na res­posta aos di­versos pro­blemas não é de leis nem da me­dida das penas, mas o do baixo in­ves­ti­mento, pro­blema que ga­nhou ainda mais acui­dade de­pois da san­gria nos meios hu­manos ge­rada por quatro anos de go­ver­nação PSD/​CDS. O Go­verno PS podia e devia ter ido mais longe na res­posta, devia ter es­tado mais pre­o­cu­pado com me­didas para re­solver as ne­ces­si­dades na­ci­o­nais que in­vadem as di­versas áreas, do que com as per­cen­ta­gens para sa­tis­fazer tra­tados or­ça­men­tais e ou­tras im­po­si­ções da União Eu­ro­peia.




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