O Terror e a miséria do fascismo
No início de 1933, com a Alemanha mergulhada numa crise que tinha gerado quase cinco milhões de desempregados e perante a chegada de Hitler ao poder, devido ao apoio de banqueiros e magnatas, Bertolt Brecht e a família partem para o exílio, logo no dia seguinte ao incêndio do Reichstag. A 10 de Maio os seus livros são queimados em auto-de-fé e em 1935 acabaria por perder a cidadania alemã.
Entre 1935 e 1938, a partir de informações sacadas do real, obtidas através de canais clandestinos, recortes de jornais, notícias da rádio, Brecht, com a colaboração de Margarette Steffin, vai escrever «Terror e Miséria do III Reich». A peça, organizada em 27 cenas independentes (prevalecendo, no entanto, o princípio do conceito épico da montagem - «uma coisa depois da outra» e «cada cena por si»), era uma denúncia da brutalidade do regime nacional-socialista e um apelo a uma frente unida contra o fascismo. Para que pudesse ser montada de imediato, nas ásperas condições de exílio, foi concebida segundo os moldes da dramaturgia tradicional, de forma a ser representada por pequenos grupos operários ligados aos sindicatos, parcialmente em função de uma tal ou tal dada escolha de cenas em particular, visando também tocar o público refugiado político. Tudo acontece em apartamentos, clínicas, salas de tribunal, campos de concentração, escolas, fábricas, casernas, etc, mostrando a opressão de quase todas as camadas sociais alemãs (a «intelligentsia», a pequena burguesia, a classe operária) sob a ditadura feroz dos nazis. Num vasto quadro, desfilam homens jovens e velhos, mulheres e crianças, carrascos e vítimas, lutadores e cobardes, revelando o súbito silêncio, a mentira arrancada pela força, a verdade sussurrada, o olhar de quem prende e do que é preso, num estudo das relações e do comportamento quotidiano das pessoas submetidas à violência e mistificação nazi, a contaminação pelo medo diferente de opressores e oprimidos, a desconfiança, a hipocrisia, a delação e a traição, mas também a resistência inventada pela astúcia.
Estreou em Paris com o título de «99%» em Maio de 1938, uma selecção de 5 cenas, tendo no elenco a mulher de Brecht, a grande actriz Helen Weigel, ao lado de intérpretes amadores operários, havendo notícia do entusiasmo suscitado entre os membros das Brigadas Internacionais. Walter Benjamin escreveu no ensaio «O País onde não é permitido citar o proletariado» que a peça constituía uma oportunidade política e artística que, pela primeira vez, se tornava numa necessidade, dado formarem um todo.
O espectáculo (que teve estreia portuguesa pelo Teatro da Cornucópia em Julho de 1974) foi de seguida montado em Londres, Estocolmo, e em 1945, após o final da II Guerra Mundial, em Nova York, com o título «The Private Life of Master Race». Brecht não concordou então, tendo em conta que, derrubado o fascismo, a peça não funciona tanto como uma acusação mas sim como um alerta.
Bernard Dort, a propósito, sublinhou: «fazer história, tomá-la a cargo, tornar-se responsável, é precisamente escapar ao terror de uma história feita pelos outros e cujas formas são a guerra, o culto do herói e as mentiras dos poderosos. Brecht descreve esse terror, expondo-lhe as causas. Em “Terror e Miséria no III Reich” apresenta-o em estado bruto. À ordem – a ordem capitalista do mundo – corresponde a desordem do homem. Nas contradições sociais e nas suas próprias contradições deve reconhecer não uma fatalidade subjectiva mas a consequência dessa ordem desumana. Tomar consciência das contradições, já é começar a libertar-se».
Num tempo em que se avolumam as ameaças de trevas da extrema-direita, é útil e oportuno ter em conta o que nos é relatado no «Terror e Miséria do III Reich».