O assalto à «casa do Luso» pela PIDE

Domingos Abrantes

O golpe do Luso teve graves con­sequên­cias na vida do Par­tido e dos pró­prios ca­ma­radas

A 25 de Março de 1949 o Par­tido so­freu um dos mais graves golpes re­pres­sivos da sua his­tória: o as­salto à casa clan­des­tina na vila do Luso e a prisão de Álvaro Cu­nhal, Sofia Fer­reira e Mi­litão Ri­beiro, que ali se re­fu­giara após a casa onde vivia, em Ma­ci­nhata do Vouga, ter sido as­sal­tada e a sua com­pa­nheira, Luísa Ro­dri­gues, presa.

Desde a sua fun­dação, e par­ti­cu­lar­mente du­rante os 48 anos de fas­cismo, o Par­tido es­teve su­jeito à re­pressão e, por vezes, a golpes pro­fundos. Pagou um preço ele­vado para edi­ficar o apa­relho clan­des­tino nos anos 30, quando a ex­pe­ri­ência de tra­balho clan­des­tino era ne­nhuma e o re­gime dis­punha de um forte apa­relho po­li­cial: pri­sões em massa (chegou a ter mais mem­bros nas ca­deias do que em ac­ti­vi­dade), de­zenas de mi­li­tantes as­sas­si­nados, per­ma­nente fazer e re­fazer dos or­ga­nismos de di­recção, ir­re­gu­la­ri­dade na sua ac­ti­vi­dade, pe­ríodos de pro­funda crise.

Mas o «golpe do Luso» não re­pre­sentou apenas mais um: num pe­ríodo cru­cial da re­sis­tência ao fas­cismo, acar­retou enormes re­tro­cessos na acção do Par­tido, que tinha atin­gido ní­veis de or­ga­ni­zação e in­fluência iné­ditos até então. Com a re­or­ga­ni­zação de 1940/​41, o Par­tido ul­tra­passou a pro­funda crise em que tinha mer­gu­lhado, su­perou a inex­pe­ri­ência e graves de­fi­ci­ên­cias no tra­balho clan­des­tino e im­ple­mentou efi­cazes re­gras cons­pi­ra­tivas e de dis­ci­plina, o que tornou pos­sível criar uma forte or­ga­ni­zação e uma di­recção cen­tral es­tável: entre 1942 e 1949, a po­lícia não con­se­guiu prender um único ele­mento do Se­cre­ta­riado.

Neste pe­ríodo, re­a­li­zaram-se com êxito dois con­gressos (1943 e 1946) e rei­ni­ciou-se a pu­bli­cação do Avante!, que per­ma­neceu inin­ter­rupta até 1974. Por ini­ci­a­tiva do PCP ti­veram lugar as mai­ores ac­ções da classe ope­rária – as greves de 1942, 1943, 1944 e 1947 – e a uni­dade an­ti­fas­cista foi am­pliada e re­for­çada.

A pro­fun­di­dade do «golpe do Luso» as­sumia maior gra­vi­dade porque nessa al­tura, para além da prisão dos ca­ma­radas en­vol­vidos, o Par­tido perdeu 12 fun­ci­o­ná­rios, entre os quais Jaime Serra, Fran­cisco Mi­guel e Gui­lherme da Costa Car­valho e uma ti­po­grafia do Avante!. A si­tu­ação era ex­tre­ma­mente pe­ri­gosa: aquelas pri­sões, pelas cir­cuns­tân­cias que as ro­de­aram, mos­travam que a po­lícia tinha des­co­berto os novos mé­todos de ac­tu­ação cons­pi­ra­tiva do Par­tido e que a di­recção e o apa­relho téc­nico es­ta­riam ins­ta­lados nas pro­xi­mi­dades.

A de­fesa ime­diata do Par­tido co­locou-se com grande ur­gência e os res­tantes ca­ma­radas da di­recção as­su­miram-na com te­na­ci­dade. Al­guns dos mé­todos apli­cados podem não ter sido os mais cu­riais, como o re­curso a um cen­tra­lismo ex­ces­sivo, mas coube-lhes o mé­rito de terem as­se­gu­rado a de­fesa do Par­tido e a con­ti­nui­dade da sua ac­ti­vi­dade e do apa­relho téc­nico.

As pri­sões do Luso, e em par­ti­cular a do ca­ma­rada Álvaro (in­dis­cu­ti­vel­mente o quadro mais bem pre­pa­rado), re­per­cu­tiram-se gra­ve­mente na ori­en­tação do Par­tido e na ela­bo­ração teó­rica. O pe­ríodo que se se­guiu a 1949 foi muito atri­bu­lado, com o clima de Guerra Fria a des­pertar o an­ti­co­mu­nismo e tornar mais di­fí­ceis as re­la­ções com sec­tores de­mo­crá­ticos. No Par­tido re­a­briram-se ve­lhas dis­cus­sões, no­me­a­da­mente sobre a «po­lí­tica de tran­sição», e aban­do­naram-se ori­en­ta­ções do III e IV con­gressos, par­ti­cu­lar­mente a linha do le­van­ta­mento na­ci­onal. O sec­ta­rismo pe­ne­trou fundo no tra­balho par­ti­dário, a que se lhe se­guiu o desvio de di­reita.

O «golpe do Luso» teve ainda graves e do­lo­rosas con­sequên­cias na vida dos ca­ma­radas presos. Álvaro Cu­nhal e Sofia Fer­reira foram su­jeitos a bru­tais tor­turas e pas­saram muitos anos na ca­deia. Mi­litão Ri­beiro morreu em con­di­ções trá­gicas e Luísa Ro­dri­gues viu a sua saúde for­te­mente aba­lada pelas tor­turas e agra­vada pela trá­gica morte do com­pa­nheiro.

Na his­tória do Par­tido en­con­tramos acertos e de­sa­certos, mas o que há de mais sig­ni­fi­ca­tivo nessa his­tória – e a marca de forma in­de­lével – é a en­trega ab­ne­gada dos seus mi­li­tantes à causa da eman­ci­pação dos tra­ba­lha­dores.




Mais artigos de: Argumentos

Uma exposição de pintura nas Caldas da Rainha

Nas Caldas da Rainha, no Museu José Malhoa, que além do maior conjunto de obras do seu patrono tem uma importante coleção de pintura e de escultura dos finais do séc. XIX e das primeiras décadas do séc. XX, uma secção de Cerâmica das Caldas, destaque para Rafael Bordalo Pinheiro, e um conjunto...

Na cova dos leões

Chegou o «Prós e Contras» na passada segunda-feira, a ordem de trabalhos era o linchamento público da Venezuela chavista, a equipa de executores era abundante e contava com presenças ilustres. Não parece absurdo, portanto, que nessas circunstâncias tenha acontecido a alguns telespectadores, ao depararem com António...