Uma exposição de pintura nas Caldas da Rainha
Esta exposição de pintura é também um acto de resistência
Nas Caldas da Rainha, no Museu José Malhoa, que além do maior conjunto de obras do seu patrono tem uma importante coleção de pintura e de escultura dos finais do séc. XIX e das primeiras décadas do séc. XX, uma secção de Cerâmica das Caldas, destaque para Rafael Bordalo Pinheiro, e um conjunto único das 60 esculturas de terracota da «Paixão de Cristo», o que o torna num museu de visita obrigatória, na sua sala de exposições temporárias inaugurou-se uma exposição de pintura de José Santa-Bárbara.
Uma exposição que é uma afirmação da importância da pintura num tempo em que o paradigma da arte contemporânea, como a define Nathalie Heinich, é a indisciplina entre as disciplinas, no hibridismo entre artes visuais, artes performativas, filme, música, arquitectura, design, moda, que se desenrolam em cenários que se constroem e transmitem enquanto narrativas de excentricidades, de anedotários produzidos pelos artistas que se replicam nos ecos de uma crítica de arte reduzida a uma espécie de crónica e de promoção publicitária dos artistas sem colocar questões de ordem estética, poética ou até relacionadas com a história de arte, farfalhadas embrulhadas em papel de estanho a fingir que é de prata, a prática da pintura parece um exercício anacrónico, obsoleto.
Nesse quadro, esta exposição de pintura é também um acto de resistência. Um espelho imaginário que é um manifesto a favor da pintura, das artes visuais. José Santa-Bárbara pinta com ostensiva indiferença por essas correntes de arte contemporânea, sem nunca se alhear das inquietações e das experimentações estéticas e técnicas da História de Arte.
Pinta para promover a comunicação entre as pessoas. Pinta para nos mostrar o mundo que olhamos e não vemos imediatamente, começamos a ver lendo os seus quadros, os seus desenhos, as suas gravuras, como o faz nas séries dedicadas à União Europeia, aos quotidianos por onde viajamos diariamente nos transportes públicos, naqueles em que se enfrentam as lutas pelos direitos sociais, nos Extravagários.
Mesmo quando pinta para ilustrar obras literárias, Memorial do Convento ou Curva da Estrada, não se limita a dar forma e cor a sucessos imaginados pelos escritores. Percorre a densidade e o imaginário dos textos para construir outro imaginário que, recusando as descrições literais, o compreende para que a visibilidade da pintura dê visibilidade ao texto, mantendo um diálogo íntimo em que, texto e pintura, não perdem autonomia. No limite, o Memorial do Convento ou a Curva da Estrada de José Santa-Bárbara até podiam ter sido anteriores aos romances, apesar disso ser uma improbabilidade completamente irrealizável.
O que o artista faz é a afirmação da autarcia da pintura. Afirmação bem explícita nesta exposição em que o que interessa a José Santa-Bárbara quando pinta, o que lhe interessa na pintura é a semelhança, como a semelhança faz descobrir o mundo exterior, reinventando esse mundo noutro mundo sem que o sentido e o significado da história, seja em sentido amplo ou quotidiano, se percam.
José Santa-Bárbara multiplicou a sua actividade por inúmeras áreas artísticas, pintura, escultura, design gráfico, design de equipamento sem nunca perder o norte, sejam as obras reprodutíveis ou não reprodutíveis tecnicamente, da essência da arte visual, da percepção física da imaginação, da criatividade que fazem da arte uma fonte de inspiração mas também de emancipação.
Esta exposição é a afirmação da pintura-pintura. Pintura que dispensa legendas, dispensa textos e comentários. Arte que replica o esplendor das obras expostas neste Museu.
Sala de Exposições Temporárias do Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, todos os dias excepto segundas-feiras, das 10h às 12h30 e das 14h às 18h