Leninegrado, o símbolo dos símbolos da resistência

José Augusto

Se há pá­ginas de que os povos se possam or­gu­lhar, esta é uma delas

O cerco de Le­ni­ne­grado, o mais longo da His­tória, es­ta­be­le­cido a 8 de Se­tembro de 1941, foi rom­pido pelo Exér­cito Ver­melho a 27 de Ja­neiro de 1944. Este epi­sódio, um dos mais im­por­tantes para a der­rota do nazi-fas­cismo na II Grande Guerra, fez há dias 75 anos.

Foram quase 900 dias em que o frio e a fome se man­co­mu­naram para matar cerca de 1,5 mi­lhões de ci­da­dãos. Apesar de in­tensos e diá­rios, os bom­bar­de­a­mentos ale­mães foram res­pon­sá­veis por apenas 3 por cento das ví­timas.

O rom­pi­mento do cerco, as­sente na co­ragem, en­genho e sa­cri­fício da po­pu­lação da ci­dade, mi­li­tares e civis, ho­mens e mu­lheres, ve­lhos e cri­anças, deu um for­tís­simo im­pulso aní­mico ao Exér­cito Ver­melho, já a pre­parar a carga triunfal sobre Berlim, que acon­te­ceria dali a um ano e poucos meses. Se há pá­ginas da His­tória de que os seres hu­manos se possam or­gu­lhar, esta é, in­du­bi­ta­vel­mente, uma delas.

À di­rec­tiva de Hi­tler de 22 de Se­tembro de 1941, «apagar Le­ni­ne­grado da face da terra, re­cusar quais­quer pro­postas de ren­dição, ani­quilar toda a po­pu­lação – ali­mentá-la não é pro­blema nosso», sou­beram res­ponder os le­ni­ne­gra­denses com a força e a con­fi­ança bus­cadas na cer­teza de que nada os des­vi­aria do fu­turo que de­li­ne­aram – uma so­ci­e­dade so­ci­a­lista - e ha­viam de cons­truir. Atrai­çoar a Mãe Pá­tria, isso nunca!

Mor­reram à fome 28 ci­en­tistas

Assim se com­pre­ende que te­nham aberto, du­rante o cerco, 85 or­fa­natos, para as cri­anças que per­deram os pais; que 28 ci­en­tistas do Ins­ti­tuto do Cul­tivo de Plantas te­nham mor­rido de fome, dei­xando in­tactas todas as arcas de se­mentes que ti­nham se­lec­ci­o­nado; que te­nham tido a ca­pa­ci­dade para abrir um tra­jecto que cru­zava o gelo do Lago La­dojskoe, a que cha­maram «Ca­minho da Vida», por onde tran­si­taram pro­dutos ali­men­tares e mu­ni­ções e por onde foram eva­cu­adas as cri­anças, bem como um ole­o­duto sub­ter­râneo sob o mesmo lago, que as tropas nazis nunca des­co­briram; que em 42 te­nham sido re­a­bertas es­colas, te­a­tros e ci­nemas; que a Or­questra da Rádio de Le­ni­ne­grado tenha es­treado, a 9 de Agosto de 42, a fa­mosa 7.ª Sin­fonia de Chos­ta­co­vitch, a «He­róica de Le­ni­ne­grado», que se tornou um sím­bolo da re­sis­tência; que a Rádio trans­mi­tisse quo­ti­di­a­na­mente con­certos de­di­cados aos com­ba­tentes da frente, e lei­turas de clás­sicos russos, feitas sempre por dois ac­tores, pois um podia morrer e havia que con­ti­nuar a função; que tenha ha­vido es­treias te­a­trais e que o Her­mi­tage, um dos mais belos e ricos mu­seus do mundo, não tenha fe­chado as portas; que, di­a­ri­a­mente, de 300 a 700 pes­soas do­assem sangue para os fe­ridos (foram co­lhidos 144 mil li­tros de sangue du­rante o cerco). Sim, acre­di­tavam no fu­turo da pá­tria!

A lição de dig­ni­dade dada pela po­pu­lação de Le­ni­ne­grado e o Exér­cito Ver­melho foi ins­pi­ra­dora para os povos que, na Eu­ropa e no mundo, lu­tavam contra o fas­cismo e o avanço das tropas nazis. Foi ins­pi­ra­dora para os re­sis­tentes por­tu­gueses, mor­mente e, so­bre­tudo, os co­mu­nistas, que re­for­çavam a luta contra o re­gime de Sa­lazar. Cons­ti­tuiu também uma prova mais de que, se acre­di­tarmos no fu­turo e na ideia que o sus­tenta, como acre­di­taram os he­róicos le­ni­ne­gra­denses, os ci­en­tistas e ar­tistas da ci­dade, nada há que nos im­peça de avan­çarmos de peito aberto para a cons­trução de uma so­ci­e­dade me­lhor, mais justa e avan­çada – a so­ci­a­lista.




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