A entrevista
A avaliar pelo que se vê e ouve na televisão, andam as gentes muito emocionadas por causa de uma entrevista havida na TVI: Mário Machado, líder de uma extrema-direita de contornos e etiquetas não rigorosamente definidos, foi entrevistado a partir de uma pergunta curiosa mas um pouco absurda que por vezes surge a navegar por aí: será desejável (ou necessário) um novo Salazar? É sabido que o homem de Santa Comba acedeu ao poder num tempo em que estavam na moda os ditadores de extrema-direita: Mussolini no poder desde 1922, Hitler já muito perto de viajar de Munique para Berlim, Franco a cuidar dos mouros que lhe serviriam no assalto à República Espanhola. Diferentemente, a Europa actual não parece madura para o êxito de sujeitos como Machado e algum enlevo pelo direitismo extremo que consta andar por aí não se reveste da «maneira forte» que aparenta ser a sua vocação. Em verdade, Mário Machado dá sinais de alguma desactualidade quanto à extrema direita em que se inclui certamente com orgulho, e por isso talvez tenha no quadro político um lugar muito mais decorativo que influente ou ameaçador. Não obstante, entende-se que haja muita gente que não gosta sequer das saudades de Salazar que por aí parecem andar à deriva: de Salazar, isto é, de um campo de concentração “à alemã”, de torturas aos presos políticos, de uma guerra colonial em três frentes e votada ao insucesso em todas elas, de censura na imprensa e autocensura nos cafés porque sempre poderia haver ouvidos escutadores nas proximidades.
Um efeito ampliado
Sem se incorrer no errado optimismo de supor que a direita bruta e extrema está completamente fora de questão quando se encara o futuro mais ou menos próximo, talvez fosse adequado não prolongar a entrevista de Mário Machado com uma celeuma que o facto não justifica e o sujeito não merece: Machado chama-se Mário e nem simbolicamente é suposto que possa vir a chamar-se Adolfo. A questão é que a celeuma e o debate ampliam as dimensões mediáticas da entrevista e engrandecem a própria figura de Machado que estará regaladamente a assistir a uma discussão que reforça o seu peso mediático que aliás não era grande coisa. A democracia portuguesa não está presa por um fio que Machado possa cortar e os males que a corroem não dependem das suas opiniões acerca de Salazares. E até poderíamos perguntar se algumas ou muitas indignações que a entrevista desencadeou não serviram um pouco como provas públicas de um antifascismo que entretanto faltou a muitas oportunidades de se revelar. Porque as práticas fascistas ou parafascistas não surgem por aí de farda e suástica visível, até muitas vezes se autoproclamam de muito democráticas, o que aliás muitos sectores da população portuguesa, designadamente na área do trabalho, vão conhecendo. E assim avançam. Sem que suscitem alarmes ou sequer celeumas.