«Enquanto existir imperialismo a FMJD é necessária»

ENTREVISTA Iacovos Tofari, que em nome da Organização Unitária da Juventude Democrática (EDON), de Chipre, assume a presidência da Federação Mundial da Juventude Democrática, esteve recentemente em Portugal, onde concedeu uma entrevista conjunta ao Avante! e ao Agit, jornal da Juventude Comunista Portuguesa.

Compõem a FMJD mais de 150 organizações de mais de uma centena de países

A Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD) foi criada a 10 de Novembro de 1945, em Londres, poucos meses após o final da Segunda Guerra Mundial. Nasceu da acção convergente da juventude que combatia o nazi-fascismo, transformando-se em pouco tempo numa grande organização mundial, reconhecida pelas Nações Unidas. Hoje, a FMJD continua a agregar as forças juvenis que, em cada país, se batem contra o imperialismo e suas consequências, pela paz e os direitos da juventude.

Como se explica a pertinência de continuar a existir uma Federação Mundial da Juventude Democrática, mais de 70 anos após a sua criação?

Em primeiro lugar, não nos devemos centrar na idade da organização, se é recente ou antiga, mas na sua relevância actual. Ou seja, o que temos de avaliar é se as razões que motivaram a sua criação continuam ou não válidas. E pensamos que sim!

Apesar das muitas décadas que passaram, os conflitos persistem, as consequências do imperialismo aí estão e a ameaça fascista ressurge, na Europa e não só, com faces diversificadas. Enquanto o imperialismo existir, a FMJD – enquanto federação das forças juvenis progressistas e anti-imperialistas do mundo – é uma necessidade e toda a juventude que resiste ao imperialismo deve apoiá-la e às suas lutas, de modo a reforçá-la.

Como conciliar as pequenas lutas da juventude com a importância que cada vez mais importa dar aos grandes perigos da guerra?

Não se deve desligar esses dois níveis da luta. Sendo diferentes, é a mesma luta contra o mesmo inimigo: o imperialismo. Este, a nível internacional, expressa-se em guerras e intervenções militares, mas a nível nacional tem expressão em múltiplas outras formas, desde logo na implementação de políticas neoliberais, o que se observa com muita acuidade na Europa. Ora, esses dois níveis da luta devem ser relacionados de modo a serem entendidos como uma mesma luta, total, contra o imperialismo.

No concreto, como se faz isso?

Estando próximos da juventude, das novas gerações, para, em primeiro lugar, percebermos melhor a sua realidade, quais são as suas aspirações e problemas, propor soluções e, claro, estar ao seu lado na luta por essas mesmas soluções. Ao mesmo tempo que temos de deixar claro que as verdadeiras soluções para os problemas que os afectam – quer a nível nacional quer internacional – só serão possíveis com o derrube do imperialismo.

Quais os grandes desafios colocados à FMJD?

Uma matéria central é a necessidade de tornar clara a nossa posição acerca das intervenções do imperialismo e, ligado a isto, reafirmar a nossa solidariedade aos povos que delas são vítimas, enviando-lhes, por todos os meios, o nosso apoio. A nível nacional, temos de estar ao lado das forças que lutam para transformar a sociedade, ao mesmo tempo que é fundamental estarmos actualizados e compreender o que se passa em cada um dos países e quais os problemas principais. Após a última expressão da crise do capitalismo, deu-se uma escalada de agressões imperialistas, que assumiram formas novas, e temos que estar preparados para intervir nessas novas situações.

Como é que uma organização de carácter mundial como a FMJD dá a devida atenção às lutas que a juventude desenvolve em cada um dos países?

Essa ligação faz-se naturalmente, pela estrutura da FMJD. Estamos presentes em cinco regiões (África; América Latina e Caraíbas; Ásia e Pacífico; Europa e América do Norte; Médio Oriente e Norte de África), que trabalham unidas enquanto federação, nas causas e objectivos comuns. Cada região tem liberdade para desenvolver acções sobre problemas específicos e de editar materiais que mostrem à juventude de uma determinada região os problemas sentidos pelos jovens de outros locais. Isto ajuda à compreensão de que os problemas que a juventude enfrenta em todo o mundo são, em geral, os mesmos e que têm motivos e causas semelhantes. É importante mostrar que a luta é comum!

O que é, hoje, a FMJD? Quantas organizações a compõem? Quais as potencialidades de reforço?

Temos, actualmente, mais de 150 organizações de mais de 100 países. Estamos a crescer e a procurar ter apoio de ainda mais organizações e forças juvenis verdadeiramente progressistas e anti-imperialistas. Apelamos a essas forças para que, partilhando dos nossos objectivos, se juntem às nossas lutas. Pretendemos que a adesão a cada uma das linhas de acção da FMJD seja ainda mais massiva do que é hoje.

Que balanço faz a federação das suas campanhas e, em particular, do 19.º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que se realizou na Rússia em 2017?

Nos últimos meses realizámos missões de solidariedade à Síria e ao Nepal e estamos a preparar uma outra à Venezuela. Temos prevista uma campanha sobre a Palestina, onde de momento não podemos entrar, embora esse seja um objectivo que temos a curto prazo. Num futuro próximo, espero, teremos a oportunidade de enviar a nossa solidariedade a muitos outros países e povos.

Sobre o Festival, importa sublinhar que, muito embora tenha sido difícil de organizar – como são todos, dada a sua dimensão – foi um momento de reafirmação da solidariedade, anti-imperialismo e paz. Ali estiveram milhares de jovens de todo o mundo, que trocaram opiniões e experiências e partilharam culturas. É este o poder da FMJD!

Como avalia a federação o impacto dos meios de comunicação social e redes sociais na acção e organização da juventude a nível mundial?

Penso que esta situação é, a nível internacional, semelhante à que cada uma das organizações que compõem a FMJD enfrenta nos respectivos países. Não somos das classes dominantes – pelo contrário, combatemo-las – e dispomos de meios incomensuravelmente inferiores. Mas temos os nossos militantes, as nossas organizações e se os conseguirmos mobilizar a todos então teremos muita força! Não temos grandes meios de comunicação, mas temos gente, muita gente, para lutar pelas nossas causas. Estamos presentes na Internet e nas redes sociais, afirmamos também por essa via as nossas posições e objectivos. Contudo, não precisamos apenas de publicar textos, mas sobretudo que os nossos membros usem o que publicamos para afirmar a FMJD e as suas campanhas.

Que mensagem pretendes deixar à juventude portuguesa?

Aos jovens portugueses apelo a que estejam alerta e não caiam nas armadilhas que o sistema lhes lança. A despolitização, o alheamento da política e das lutas tornou-se, nos últimos anos, numa espécie de «moda». Isto é de tal ordem que mesmo que as organizações-membro da federação sejam as únicas a lutar e trabalhar com a juventude, a propor algo de diferente, tentam pô-las no «mesmo saco» das forças que desiludiram os povos e os jovens.

Tentem perceber quem faz o quê, que interesses cada organização serve, quem luta ao vosso lado e quem, por outro lado, agride os vossos direitos. Estamos certos de que se a juventude portuguesa reflectir sobre tudo isto verificará que a única forma de resolver os seus problemas é estando ao lado da Juventude Comunista Portuguesa, organização que exprime os seus interesses e tem os meios para tornar realidade os seus sonhos e aspirações.

 

«A História está do nosso lado»

Verifica-se hoje, ao mesmo tempo, o crescimento da extrema-direita e a prevalência de um sistema que entrava o desenvolvimento soberano dos países e agrava as condições de vida dos povos. Como vê a Federação esta dupla ameaça?

No fundo, estamos a voltar à questão de há pouco, sobre a relação entre o imperialismo em si mesmo e os seus vários instrumentos, que como também já vimos podem assumir diferentes facetas. Um deles, o fascismo, muito embora se afirme como «anti-sistema», é em algumas ocasiões mais útil ao sistema do que muitos dos que se apresentam como seus defensores. Ora, isto é algo que temos de clarificar junto da juventude e não há outra forma de o fazer do que estar todos os dias ao seu lado e lutar com todas as forças que combatem o fascismo, mostrando-lhes a sua verdadeira natureza e objectivos.

No caso da União Europeia, por exemplo, os seus principais defensores assumem-se contra o «populismo» e o «nacionalismo» ao mesmo tempo que, na prática, os promovem…

O nosso desafio, nesse caso, é demonstrar o que verdadeiramente são essas pessoas e esses partidos. A história está do nosso lado, pois há muitos exemplos de como essas forças que dizem que são contra o fascismo, na verdade acabam por contribuir para tornar os movimentos de extrema-direita maiores e mais fortes, até ao ponto de se tornarem incontroláveis. Há que mostrar esses exemplos e ligá-los com a realidade actual.

Temos que dizer aos jovens que essas forças, esses partidos, dizem que são contra o fascismo, mas os monopólios e as estruturas do Estado que os apoiam são precisamente os mesmos que sustentam e financiam os grupos fascistas. É, pois, neste cruzamento entre o passado e o presente que podemos ganhar esta batalha!

Podemos afirmar que a crise dos refugiados tem raiz em posições políticas do imperialismo?

Quando falamos de refugiados falamos de guerra, e quando falamos de guerra falamos, evidentemente, de imperialismo. A nossa tarefa principal é derrotar o imperialismo, derrubá-lo, para acabar com as suas consequências, entre as quais se contam a pobreza, a miséria, a destruição generalizada de países, incontáveis crimes contra os povos. A «crise dos refugiados» é precisamente uma dessas consequências.

A agressão à Síria, por exemplo, está relacionada com os interesses geopolíticos do imperialismo, dos monopólios e das grandes potências, com os seus planos de desenhar um Novo Médio Oriente constituído por regimes prontos a servir esses interesses. Se olharmos para as causas das guerras, causadoras da «crise dos refugiados», vemos precisamente esses interesses, os mesmos que nos afectam diariamente em cada um dos países.

Estiveste recentemente na Síria, numa missão de solidariedade. O que pudeste observar?

O primeiro pensamento que se tem quando se entra na Síria é a percepção imediata de que este é um país em guerra. Não tanto pelos edifícios destruídos, mas sobretudo pela forte presença militar. Os combates já cessaram na maior parte do país, mas a Síria é ainda um grande campo militar.

Mas em Damasco pudemos observar o quanto o povo sírio está empenhado na reconstrução do seu país. O imperialismo foi derrotado, não conseguiu apoderar-se da Síria e hoje, após tantos anos de guerra e destruição, as pessoas estão optimistas e prontas para reconstruir a sua pátria.

Mas há factores que não podemos ainda avaliar, como as consequências das sanções impostas pelas potências ocidentais. Temos de esperar para ver como a situação vai evoluir.



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