O espírito de natais futuros
Em 2018 foram lançadas mais de uma dezena de obras de e sobre os mestres do socialismo científico
A quadra natalícia traz-nos regularmente à memória a história de Ebenezer Scrooge – esse velho avarento e mesquinho que Charles Dickens considerou um pecador e que, na verdade, era apenas mais um capitalista. Publicado em 1843, condenava a natureza predadora do modo de produção capitalista, mas depositava ainda esperanças na conversão moral de cada burguês para que esse agisse para o bem da comunidade. Na altura, ter-lhe-á feito falta a visita de um espírito que andava já na Europa e que unia contra si todos os velhos poderes.
O Natal é uma época propícia a façanhas espirituais e se há algo que séculos de obras literárias nos ensinaram é que o sobrenatural é de levar a sério. Por isso, não contrariemos a visita desse primeiro espírito que afirma que neste ano de 2018 houve um renovado e rejuvenescido interesse pela obra de Karl Marx. Foram mais de uma dezena de títulos publicados, entre novas edições de obras que se encontravam esgotadas, com realce para o terceiro volume das Obras Escolhidas de Marx e Engels, a edição especial do Manifesto do Partido Comunista, cuja primeira publicação perfez 170 anos, e novos livros que procuraram divulgar e ir mais longe no estudo da obra de Marx, como o livro da Conferência do PCP Comemorativa do II Centenário do Nascimento de Karl Marx e o ensaio de José Barata-Moura As teses das «Teses».
Assustados com esse espírito, poderíamos responder que estava tudo guardado para este ano de 2018. A verdade, contudo, é que este tem sido um trabalho contínuo e continuado, como comprova a conclusão da edição da tradução portuguesa de O Capital ou a perspectiva de os próximos anos continuarem a trazer mais títulos de e sobre os mestres do socialismo científico.
«Esses livros são lá coisas da política e da economia e da filosofia – e do que mais fosse – e falta vagar para tais leituras». A esta ideia, errada e por muitas razões, um segundo espírito contrapropôs então romances e poesia: Os Plátanos de Barcelona, sobre a liberdade fuzilada na Catalunha; A Mãe, essa obra maior da literatura mundial, publicada no ano em que se assinalam os 150 anos do nascimento do seu autor, Maksim Gorki; e A Derrota, sobre um grupo de guerrilheiros vermelhos que combate a reacção e a agressão imperialista estrangeira ao novo Estado proletário; e dois livros de dois poetas ligados pela mesma convicção militante: uma nova edição de As Palavras das Cantigas, de Ary dos Santos, e A Foz em Delta, de Manuel Gusmão. A assombração generosa sugeriu ainda, para satisfazer a orfandade das leituras terminadas, o ensaio Neo-Realismo. Uma Poética do Testemunho, do mesmo Manuel Gusmão, abrindo assim caminho para muitas outras leituras.
«E ninguém pensa nas crianças?» Um terceiro espírito acalma-nos e fala-nos de A Viagem de Alexandra, um conto de Papiniano Carlos (no ano em que se assinalam os 100 anos do nascimento do escritor e militante comunista), com ilustrações originais de Susana Matos (que tinha já ilustrado três livros para a infância de Álvaro Cunhal).
Antes que venha um quarto espírito falar-nos do livro sobre A Candidatura de Arlindo Vicente nas «Eleições» de 1958 ou a breve publicação do novo livro de Américo Lázaro Leal sobre O Vale do Sado no Mundo de Dois Opostos, damos por nós em plena transformação. Porque afinal não foram espíritos mas livros que ajudaram a fazer homens novos.