Um tema fora da quadra

Correia da Fonseca

O «Prós e Contras» desta semana surgiu com um título que parecia inspirado numa já antiga publicação norte-americana que nos garantia, e talvez ainda nos garanta, que «rir é o melhor remédio». Assim, na ementa do serão estavam o humor e os humoristas, e por isso se entende que Fátima Campos Ferreira abrisse o programa com uma frase em tom triunfante: «- Estão cá todos!», disse ela. Referia-se decerto aos que fazem humor em diversos lugares do país, mas a verdade é que faltava exactamente um dos maiores, Ricardo Araújo Pereira, e a sua ausência até foi aludida por Fátima lá mais para diante. Em consequência, ou talvez não, o programa foi dominado por Herman José, não apenas em consequência dos seus méritos mas também e talvez sobretudo por força do seu feitio: Herman tem o talento e também o instinto adequados a que se torne a figura central dos programas em que mesmo os seus eventuais excessos vocabulares correspondem a uma estratégia de protagonismo que não é inocente e que de resto não tem de o ser. Isto não implica uma qualquer menorização dos seus méritos: depois de Raul Solnado, aliás muito diferente de Herman, ninguém em palco ou em estúdio foi tão eficaz na prática do humor que se recusa a cair na facilidade de ser simplesmente parvo como ocorre com alguns outros.

Para quê?

Numa avaliação mais ampla, surpreende um pouco que o tema do riso e a discutível formulação que titulou o programa, «rir é o melhor remédio», tenha surgido agora, em pleno mês de Dezembro, mês do Natal e de sentimentos sérios que estão longe de introduzir a gargalhada: o assunto estaria evidentemente mais na sua natural oportunidade se surgisse lá para Fevereiro, no Carnaval, quadra mais adequada a muitos risos que, diz-nos a sabedoria popular, podem ser sintoma de pouco sizo. Mas mesmo em Dezembro nada obstaria a que fosse abordado com inteligência o papel do humor, e consequentemente do riso mesmo quando apenas implícito, no combate político ou mais simplesmente no confronto de ideias. Não aconteceu: muito se falou ao longo do programa, mas sempre ou quase sempre cada qual falou de si próprio, aqui ou além das suas pequeninas aventuras. O tema do riso dava para mais, a questão seria ter para isso o talento e sobretudo a vontade, ou melhor, a questão seria talvez que ao longo do programa planasse sobre ele o interesse em investigar para quê, para que eventuais males, rir será (ou não) o melhor remédio. Não pareceu ser esse um caminho que interessasse aos participantes, dir-se-ia que a motivação de alguns deles terá sido antes a de aflorar uma parcelar autobiografia. Em consequência, e porventura com excepção de uma ou outra graça quase sempre devida ao Herman, o programa arrastou-se com escasso interesse. Talvez fique para uma outra vez. Talvez o tema possa voltar, em melhor estado, lá para o Carnaval.




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