Tauromaquia: expressão popular, sensibilidade e perseguição

RE­FLEXÃO No plano an­tro­po­ló­gico, as di­fe­rentes ex­pres­sões da tau­ro­ma­quia ra­dicam nos cultos tau­rinos, que têm mi­lé­nios em toda a bacia do Me­di­ter­râneo, nos ritos de fer­ti­li­dade as­so­ci­ados aos ci­clos da vida.

Elas têm origem também em cons­tru­ções sim­bó­licas, ao longo de muitas cen­tenas de anos, que ex­pressam a re­lação con­tra­di­tória do homem com a na­tu­reza. Se por um lado as co­mu­ni­dades hu­manas vivem do que a na­tu­reza ofe­rece, por outro é a cul­tura hu­mana, cons­truída co­lec­ti­va­mente, que per­mite a so­bre­vi­vência em si­tu­a­ções de ad­ver­si­dade e pe­rigo. Mais re­cen­te­mente, já no sé­culo XVIII, a cor­rida de touros de­sen­volveu-se a partir das ideias do Ilu­mi­nismo, ri­tu­a­li­zando a vi­tória da razão sobre a na­tu­reza.

Em Por­tugal, a tau­ro­ma­quia é cons­ti­tuída por uma grande di­ver­si­dade de prá­ticas, bem para além das cor­ridas de touros. In­clui lar­gadas, es­peras, ca­peias, no­vi­lhadas, gar­rai­adas, eventos fes­tivos, de so­li­da­ri­e­dade, etc. De acordo com os dados dis­po­ní­veis, há 101 con­ce­lhos onde se re­a­lizam re­gu­lar­mente cor­ridas de touros, ha­vendo muitos ou­tros onde se vivem di­versas tau­ro­ma­quias po­pu­lares. Em 2014 re­a­li­zaram-se cor­ridas de touros em todos os dis­tritos do País, à ex­cepção de Vila Real e Re­gião Au­tó­noma da Ma­deira. Na ilha Ter­ceira, nos Açores, re­a­lizam-se anu­al­mente 250 es­pec­tá­culos de tou­rada à corda.

A ideia de proibir a tau­ro­ma­quia não é pro­pri­a­mente nova. A hi­e­rar­quia da Igreja chegou a ex­co­mungar quem par­ti­ci­passe em cor­ridas de touros du­rante os sé­culos XVI e XVII, as­so­ci­ando-as ao pa­ga­nismo e ao pe­cado. As cor­ridas de touros foram proi­bidas du­rante um ano, entre 1836 e 1837, e no­va­mente du­rante a Pri­meira Re­pú­blica, entre 1919 e 1923.

Evo­lução ou re­pressão?

Já no sé­culo XX, dois pro­cessos mos­tram como o con­fronto e a proi­bição foram con­tra­pro­du­centes: as in­ter­ven­ções po­li­ciais em Vila Franca de Xira, em 1977, ou o pro­cesso dos touros de morte em Bar­rancos, no final de dé­cada de 1990. No caso desta úl­tima, a su­cessão de pro­vi­dên­cias cau­te­lares da As­so­ci­ação Animal e de­ci­sões de tri­bu­nais elevou o con­fronto a um pa­tamar que levou o Par­la­mento a aprovar uma lei de ex­cepção, que per­mite que Bar­rancos e Re­guengos de Mon­saraz man­te­nham touros de morte.

A po­lé­mica mais re­cente prende-se com o cha­mado IVA das tou­radas, mas em Julho a As­sem­bleia da Re­pú­blica chumbou um pro­jecto do PAN para proibir as tou­radas, pre­vendo a sua en­trada em vigor no dia se­guinte à sua apro­vação. E é esse o ob­jec­tivo cen­tral.

A cul­tura, as tra­di­ções e os cos­tumes de um povo não são imu­tá­veis. As tra­di­ções, só por exis­tirem ou terem exis­tido, não têm de ser man­tidas, pro­mo­vidas ou res­ta­be­le­cidas. Mas é im­pon­de­rado ad­mitir que se ex­tin­guem sim­ples­mente por de­creto. O res­peito por es­pe­ci­fi­ci­dades cul­tu­rais, pela iden­ti­dade cul­tural das po­pu­la­ções, sejam mai­o­ri­tá­rias ou mi­no­ri­tá­rias, de­fine uma cul­tura de­mo­crá­tica.

Em tempos de im­po­sição da cul­tura nor­ma­li­zada pro­du­zida como mer­ca­doria por grandes grupos eco­nó­micos, o res­peito pelas cul­turas po­pu­lares re­veste-se de maior sig­ni­fi­cado.

Ex­cep­ci­onar, dis­cri­minar e hi­e­rar­quizar ex­pres­sões cul­tu­rais em função de con­cep­ções da vida e do mundo, sejam in­di­vi­duais ou co­lec­tivas, é um ca­minho pe­ri­goso, sus­cep­tível de con­duzir ao em­po­bre­ci­mento cul­tural e à im­po­sição bu­ro­crá­tica e re­pres­siva de cri­té­rios ar­bi­trá­rios na aná­lise dos fe­nó­menos cul­tu­rais.

Res­peito pela di­ver­si­dade

O PCP res­peita in­te­gral­mente a opi­nião e a sen­si­bi­li­dade de quem não apoia, se choca ou re­jeita a tau­ro­ma­quia. Mas re­cusa que se entre em con­flito aberto com co­mu­ni­dades in­teiras, que sentem a tau­ro­ma­quia como parte da sua iden­ti­dade. Nem pode aceitar que se crie uma si­tu­ação em que por via da taxa do IVA se re­tire a tau­ro­ma­quia da tu­tela da cul­tura, dei­xando-a, no li­mite, sem en­qua­dra­mento legal, ou trans­for­mando-a num caso de po­lícia.

Quem de­fende a ile­ga­li­zação das tou­radas pode não ter cons­ci­ência disso, mas está a impor os seus va­lores mo­rais, a cri­mi­na­li­zação e o uso da força re­pres­siva do Es­tado contra po­pu­la­ções in­teiras. Es­taria dis­po­nível para as­sumir a res­pon­sa­bi­li­dade da re­pressão e das cargas po­li­ciais que se ve­ri­fi­ca­riam?

Pelo con­trário, res­peitar a di­ver­si­dade cul­tural im­plica re­co­nhecer ex­pres­sões cul­tu­rais di­fe­rentes das de cada um, e re­co­nhecer a uni­ver­sa­li­dade dos di­reitos. O fu­turo será de­ter­mi­nado pela evo­lução, sempre em mo­vi­mento, das ex­pres­sões cul­tu­rais e das sen­si­bi­li­dades hu­manas.




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