Insultuoso

Anabela Fino

Muito empenhados no que designam por reforço do eixo franco-alemão – o Tratado do Eliseu, assinado a 22 de Janeiro de 1963 na cidade francesa de Reims, tendo como protagonistas o presidente francês Charles de Gaulle e o chanceler alemão Konrad Adenauer – Emmanuel Macron e Angela Merkel não acharam melhor forma de assinalar o centenário do armistício que pôs fim aos combates da I Guerra Mundial do que colocar na ordem do dia a criação de um «exército europeu».

A ideia data pelo menos dos anos 50 do século passado e é recorrente, mas o significado da sua recuperação no actual contexto europeu e mundial não pode ser subestimado.

A «lebre» foi posta a correr pelo presidente francês, que numa entrevista à estação Europe 1, no início do mês, advogou a necessidade de um «verdadeiro exército europeu» para proteger a Europa (leia-se a União Europeia) da «China, da Rússia e mesmo dos EUA».

Trump, que também foi a França participar nas comemorações do armistício mas que primou pela ausência no Fórum da Paz realizado em Paris, reagiu como de costume no Twitter, considerando «muito insultuoso» o projecto de Macron e que mais valia a UE pagar a sua quota-parte dos custos da NATO.

Ignorando o acintoso remoque do presidente dos EUA, a chanceler alemã sancionou a ideia, há uma semana, em Estrasburgo: «devemos trabalhar no sentido de, um dia, criarmos um verdadeiro exército europeu», disse. Um dia antes, 12 de Novembro, o ministro das Finanças francês, numa entrevista ao jornal alemão Handelsblatt, havia defendido a necessidade de transformar a UE num «império pacífico» que possa disputar a hegemonia global com a China ou os EUA.

Por cá, e numa aparente dissonância com o ministro da Defesa e com o Presidente da República, que por estes dias reiteraram a fidelidade nacional à NATO, o deputado do PS Vitalino Canas admitiu na AR que a posição portuguesa pode ser repensada: «obviamente que se a França conseguir convencer a Alemanha a que haja exército europeu, os outros estados vão ter que assumir novas posições em relação a isso».

Entretanto, e negando sempre a ideia de um «exército europeu», os ministros dos Negócios Estrangeiros e de Defesa da UE estiveram reunidos em Bruxelas para negociar um fundo comum de 13 mil milhões de euros para ganhar «independência estratégica» no âmbito militar e de segurança.

A seis meses das eleições para o Parlamento Europeu, com a UE marcada pela progressiva subida eleitoral de formações de extrema-direita, xenófobas e racistas em vários países e sem resposta para os problemas económicos e sociais que afectam os respectivos povos, estes sinais quanto ao caminho que o eixo franco-alemão se propõe seguir são de facto um insulto. Não aos EUA, não à NATO, mas às vítimas da I Guerra Mundial, às vítimas de todas as guerras. Apostar na militarização é um insulto à Paz.




Mais artigos de: Opinião

Semeiam ventos…

O PCP exigiu esclarecimentos ao PAN (Pessoas-Animais-Natureza) sobre alegadas ligações daquele partido a «actividades criminosas realizadas a pretexto da defesa de animais». Está em causa a recente reportagem de um canal de televisão (TVI), emitida no passado dia 15 de Novembro, sobre a investigação que estará a...

Valorizar os trabalhadores

Foi mesmo muito grande a manifestação organizada pela CGTP-IN no passado dia 15 de Novembro. Trabalhadores de todo o País, de todos os sectores, público e privado foram a Lisboa, sob a consigna «Avançar nos direitos, Valorizar os trabalhadores», mesmo que, a partir de meio do percurso, já fosse difícil avançar naquela...

Nosso bairro, nossa cidade

Os setubalenses conhecem bem o lema que dá título a este texto, mas no resto do País não tem a projecção que seria justo que tivesse. Nosso bairro, nossa cidade é o nome do projecto criado pela Câmara Municipal de Setúbal, de maioria CDU, para intervir nos quatro bairros da Bela Vista, que na semana passada foi...

Tempestade no deserto

O sórdido assassinato de Khashoggi no consulado em Istambul trouxe à ribalta a feroz ditadura pró-americana na Arábia Saudita. Há natural indignação. Mas durante décadas houve silêncio oficial face a uma das mais brutais ditaduras, que nem finge ter liberdades, eleições, partidos ou sindicatos. Que sempre reprimiu,...

O País que temos, o País que queremos

A 29 e 30 de Junho, o Comité Central do PCP decidiu a realização de uma grande iniciativa sobre a situação do País e as respostas necessárias para o desenvolvimento e a soberania, colocando o imperativo da alternativa patriótica e de esquerda para um Portugal com futuro.