As prisões políticas de Angra do Heroísmo
Poterna, Calejão e Furnas são nomes negros da história da repressão fascista
Quando se evocam as prisões políticas do regime fascista, os nomes que acodem à memória são o Aljube, os fortes de Peniche e Caxias e o campo de concentração do Tarrafal. Quase caídos no esquecimento colectivo encontram-se outras, em que a ditadura militar e fascista aprisionou e quis silenciar milhares de democratas. Duas dessas, hoje pouco lembrados, são a Fortaleza de São Baptista (Castelo) e o Forte de São Sebastião (Castelinho), em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, nos Açores.
A primeira foi construída no Monte Brasil, sobranceiro ao porto de Angra, durante a dinastia filipina. Aí estiveram prisioneiros, entre outros, o rei D. Afonso VI e o régulo Gungunhana. Com a «aprovação» por plebiscito da Constituição de 1933, seguiu-se a criação do Tribunal Militar Especial (TME), da PVDE e a publicação do Decreto-Lei n.º 23 203, que instituiu penas e medidas de segurança para presos por delitos políticos. Pouco depois, eram transferidos para a Fortaleza de S. João Baptista cerca de centena e meia de presos, ditos «perniciosos», que se encontravam nas cadeias do continente. Eram, na sua maioria, comunistas.
A 8 de Setembro de 1934, foram para aí transportados os primeiros condenados por terem participado na greve de 18 de Janeiro. O Castelo sofreu remodelações para alojar as centenas de prisioneiros. As cavalariças foram adaptadas a camaratas e a unidade militar ali aquartelada passou a ter como função principal a guarda de presos. Uma outra leva ocorreu em 8 de Junho de 1935, que incluía Sérgio Vilarigues.
Este, numa entrevista de 1999, recordou: «Por tudo e por nada se era espancado e metido na Poterna, um buraco com oito metros de profundidade onde, em pleno Verão, escorria água na escadaria, no Calejão, que tinha sido interdito para a estadia de cavalos, por não ter condições para tal, mas passou a ter para guardar presos, pelo menos em períodos de castigo, e nas ditas Furnas, uma espécie de cano de pedra, onde metiam presos, e mesmo que não coubessem, tinham de entrar à coronhada pelas forças da GNR que, então, contactavam mais directamente os presos.»
Em 23 de Outubro de 1936, chegou a Angra o navio Luanda com cerca de 152 presos, a maioria dos quais implicados na Revolta dos Marinheiros, mas também Bento Gonçalves, Secretário-geral do PCP e que iam inaugurar o Campo de Concentração do Tarrafal.
Preservar a memória
Em 1939, no início da II Guerra Mundial, por ser muito elevado o número de prisioneiros na Fortaleza de S. João Baptista e o facto de parte das instalações serem necessárias para os militares levou a que os presos começassem a ser transferidos para o fortim de S. Sebastião, nos arredores de Angra. Este, dito Castelinho, construído cerca de 1670 e
reedificado em 1698, teve uma quase desconhecida utilização como prisão política entre 1939-1943, de que nos ficaram alguns relatos de prisioneiros como António Estrela ou Ludgero Pinto Basto, que lembrava: «Nós só podíamos vir cá para fora para o recreio, creio que era uma hora, e depois não podíamos chegar às janelas porque as sentinelas não deixavam, chegaram uma vez a atirar uns tiros para dentro das celas (…).»
O «Depósito de Presos» de Angra seria encerrado em 1943 devido à presença de militares ingleses e americanos na Base das Lajes que denunciaram a situação que punha em evidência o carácter repressivo do regime.
Passados 75 anos sobre a desactivação das prisões políticas de Angra e não sendo já visíveis os vestígios edificados dos espaços de encarceramento e tortura, é necessário reconstituir e preservar a memória desse período negro da história.