Forte de Peniche – um exemplo de salvaguarda do património

Manuel Augusto Araújo

O Forte de Peniche foi salvo da fúria privatizadora pela indignação pública

No Museu de Arte Popular, em Belém, pode ver até dia 16 de Setembro, os trabalhos concorrentes ao Concurso da Fortaleza de Peniche que foi ganho pelo Atelier AR4, coordenado pelo arquitecto João Barros Matos, tendo sido atribuídos o segundo lugar à proposta do atelier FSSMGN Arquitectos, Lda, arquitecta coordenadora Margarida Grácio Nunes, o terceiro lugar é a proposta do arquitecto Marcelo de Gouveia Cardia. Recorda-se que o Concurso Público de concepção para a elaboração do projecto de arquitectura do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade na Fortaleza de Peniche, tem por objectivo levar à «recuperação, requalificação e valorização da Fortaleza de Peniche, Monumento Nacional na consciência colectiva nacional com vista ao fortalecimento do sentimento de identidade partilhada.»

Deve-se sobretudo recordar que esse concurso público foi consequência de uma generalizada e justa indignação popular contra o propósito inicial do Ministério da Cultura deste Governo de privatizar o Forte de Peniche num pacote em que estavam e estão mais trinta monumentos nacionais. Que, pelo andar da carruagem não terão essa sorte mesmo fazendo parte de uma ou outra forma «do sentimento de identidade partilhada». O Governo tinha anunciado alegremente que iria promover «concessões de 30 a 50 anos que vão permitir devolver à fruição pública imóveis que estavam a ser um peso para o Estado, pois não estavam ocupados e estavam a degradar-se». O destino, de sentido único, é a exploração turística. O Forte de Peniche foi salvo dessa fúria privatizadora pela indignação pública que gerou. O processo que se seguiu deve fazer reflectir sobre o destino dos outros monumentos.

A recuperação do património edificado é sempre complexa. Um dos meios de o salvaguardar é, evidentemente, dar-lhe novas funções. A questão central é como essa recuperação é feita garantindo que as suas memórias passadas, sem que a sua identidade seja posta em causa e como esse património continuará a ser usufruído por todos sem ser colocado em risco pelo uso dos complexos turísticos que aí vão ser instalados, partindo-se do princípio muito questionável que essa é a única solução. É evidente que não é a única, mas é mais fácil e preguiçosa. Por esse caminho, só para dar dois exemplos, o Centro Português de Fotografia não teria sido instalado na Cadeia da Relação, um edifício que começou a ser construído em 1767, ou o Museu Nacional de Arte Antiga não teria sido instalado num palácio mandado construir, em finais do século XVII. O seu destino seria o da exploração turística.

O mais grave é o Estado transferir a recuperação e a gestão de um bem patrimonial que é de todos para a sua apropriação privada, sabendo-se que a filantropia lhes é estranha. O concurso do Forte de Peniche deveria ser um exemplo para o Estado não se demitir completamente nas privatizações em curso que tanto o excitam. Um dos primeiros passos a dar para se cumprir o serviço público que o Estado deve assumir, é o de elaborar os cadernos de encargos de cada um desses monumentos e obrigar que os projectos de arquitectura sejam objecto de concurso aberto a todos os arquitectos. O mínimo dos mínimos a que o Estado se devia obrigar para salvaguardar o património que é de todos nós hoje e que continuará a ser acabado o tempo de concessão protegendo e impulsionando o exercício da arquitectura.




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