Monchique e «a excepção»

Agostinho Lopes

«O Governo não está a responder aos problemas cruciais da floresta portuguesa»

LUSA


Monchique era um caso programado, depois do Incêndio Florestal (lF) de 2003. Passados alguns anos, só não via quem não visitava Monchique ou não queria ver. A operação do 1º Ministro em Monchique, integrada na operação «limpa valetas», só evidencia a fraude propagandística encenada em 2018 pelo Governo. Como o PCP denunciou. Terá havido no IF de Monchique problemas no combate, que a seu tempo se analisarão. Mas tudo indica que nesta vertente foram, também, mais as vozes que as nozes.

Mas há coisas a dizer sobre o que se tem dito. Falar da «excepção» de Monchique, é esquecer todas as «excepções» que foram sendo invocadas depois de 2003 e 2005. Gerês, Serra da Estrela, Planalto Mirandês/Nordeste Transmontano, Caramulo, Tavira/S.Brás de Alportel, Boticas/Ribeira de Pena, etc. É esquecer as dramáticas «excepções» de 2017 de Pedrogão e de Outubro nas Beiras. Falar das alterações climáticas para provar a excepcionalidade de Monchique é uma tentativa de fugir ao facto de essa área não estar preparada, prevenida, ordenada, para a excepção climática!

É como tentar justificar o IF do Pinhal de Leiria como uma conspiração de madeireiros - mesmo se a houve (1). Sem nunca se assumir as responsabilidades políticas pela situação dessa Mata Nacional, por única e irrecusável opção de sucessivos governos PS, PSD e CDS.

Todo o discurso do 1.º Ministro e do Ministro da Administração Interna é uma encenação e a melhor demonstração do que não fizeram nem vão fazer. O Governo não está a responder aos problemas cruciais da floresta portuguesa. E não é a questão de que não se pode fazer tudo num ano. Ninguém de bom senso o exige. Mas pelo caminho encetado, nem daqui a 50 ou 100 anos, estará feito. É continuar a falar de uma reforma florestal que não existe. É invocar mudanças não verificadas nem comprovadas no terreno. No ordenamento. Na prevenção. Nos recursos humanos. É não querer assumir o problema da dimensão do investimento e dos ritmos necessários da intervenção pública. Em Agosto de 2018, o 1º Ministro fala de que «a lei orgânica da ANPC e do Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta estão também para aprovação» e que «o processo de recrutamento de peritos está em curso»! O problema começa logo, pela ausência de balanço rigoroso, concreto e atempado do que foi ou não feito, decorrente de alterações legislativas e das medidas aprovadas no OE/2018! Esse escrutínio não foi feito na Assembleia da República. Julga-se que nem o Governo saiba…

Mas o Governo não está sozinho na sua cruzada de desresponsabilização, antes bem acompanhado por PSD e CDS, que continuam a botar faladura, como se não tivessem nada a ver com o que acontece na floresta portuguesa, pelo que fizeram e sobretudo pelo que não fizeram quando governaram. É particularmente hipócrita a posição de A. Cristas, que Ministra da Agricultura, fez o maior corte alguma vez feito no investimento público na floresta (desvio para o agronegócio) para além de outras e vastas malfeitorias.

E a questão não é a da «lamentável querela que os partidos alimentam em torno do fogo» como refere um dos participantes profissionais nas querelas mediáticas de apoio à política de direita que conduziu a floresta e o mundo rural à complexa e frágil situação, de que os IF são uma expressão (2). O problema é da responsabilização político-partidária pelos IF. É, em linguagem chã, pôr os nomes aos bois.

O busílis é a que as declarações de A. Costa e E. Cabrita são a prova provada de que as coisas não endireitaram. Pior, como eles estão, pelo que dizem, convencidos de que vão com o passo certo, tarde ou nunca se endireitam. O resultado só pode ser em cada ano, o desastre. No seu linguajar: «a excepção»!

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(1) Ainda se espera que a PGR diga alguma coisa sobre esse e outros IF de 2017;

(2)Editorial, Manuel Carvalho, Público, 09AGO18;




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