Bezerros de ouro

Jorge Cordeiro

A con­cer­tação so­cial está para o grande ca­pital como o «be­zerro de ouro» criado por Aarão está para os he­breus. Com a van­tagem não des­pre­zível de em vez de aí se ver um falso ídolo se ter de facto um ins­tru­mento es­sen­cial do grande pa­tro­nato. Res­sal­vadas as dis­tân­cias, o «be­zerro» do grande ca­pital nutre-se com re­curso a esse mesmo saque do alheio.

Com a di­fe­rença que en­quanto que o que nos chega do re­trato bí­blico se fez pela for­çada con­fis­cação do ouro que a muitos per­tencia, a acu­mu­lação em ca­pital se faz pela ex­plo­ração do tra­balho. Não é por acaso que a con­cer­tação so­cial é ido­la­trada pelos que aì vêm um ins­tru­mento para fazer pre­va­lecer os seus in­te­resses de classe. Sempre en­volta na­quela ne­bu­losa en­ce­nação de «con­fronto» entre partes, su­pos­ta­mente ar­bi­trada por quem es­taria acima dos in­te­resses em dis­puta, num jogo vi­ciado em que, entre cartas mar­cada e ba­tota po­lí­tica, con­fe­de­ra­ções pa­tro­nais e go­verno (le­vando pela trela a UGT) de­cidem da forma que se co­nhece.

O re­cente pacto es­ta­be­le­cido em con­cer­tação so­cial é um exemplo nesse per­curso que, em nome da «com­pe­ti­ti­vi­dade», de­senha as re­la­ções ju­rí­dicas in­dis­pen­sá­veis à ex­plo­ração. Um per­curso em que PS, PSD e CDS con­vergem sem pes­ta­nejar, aqui ou ali pon­tu­adas com for­jadas e falsas mar­ca­ções de dis­tância, in­dis­pen­sá­veis à farsa que tecem. Não se en­ga­nando no que é es­sen­cial e es­tru­tu­rante ao pro­cesso de ex­plo­ração.

Sal­pi­cadas aqui ou ali, con­fi­antes que toda a men­tira para me­lhor ser ven­dida tem de trazer al­guma coisa de ver­dade, com uma ou outra me­dida mais ou menos mar­ginal de sen­tido di­verso para me­lhor al­can­çarem o que os move. A téc­nica é co­nhe­cida: já Bagão Félix acenou em 2003 com um pro­me­tido au­mento de dias de fé­rias ra­pi­da­mente ra­su­radas, para jus­ti­ficar o as­salto aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores que então «con­certou» com os do cos­tume. Cada um es­colhe as com­pa­nhias que mais os apraz. Re­giste-se as que Vi­eira da Silva e o PS par­ti­lham com Cu­evas, o chefe da missão do FMI em Por­tugal, en­tu­si­asta da con­cer­tação so­cial e das sua vir­tudes.




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