Agravar a exploração ou combatê-la? – duas opções em confronto amanhã
DIREITOS Amanhã, 6, estarão em debate parlamentar as propostas do Governo de alteração à legislação laboral, que o PCP e o movimento sindical unitário consideram feitas à medida dos interesses do grande capital e prejudiciais aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, em frente à Assembleia da República, a concentração nacional da CGTP-IN dará expressão à exigência de um rumo de progresso, como o que sobressai das propostas do PCP que também amanhã estarão em discussão.
Em questões laborais, como noutras, PS converge com PSD e CDS
As propostas que o Governo leva amanhã ao Parlamento são as que decorrem do acordo alcançado com o patronato e a UGT na chamada «concertação social». Para os seus promotores o acordo visa «combater a precariedade e reduzir a segmentação laboral e promover um maior dinamismo da negociação colectiva»; dirigentes das estruturas envolvidas, comentadores e jornalistas têm-se esforçado por apresentar o dito acordo como sendo favorável aos trabalhadores, valorizando o que garantem ser uma cedência dos patrões.
Estas teses, contudo, são sustentadas em mera propaganda e não em qualquer análise concreta do conteúdo das propostas incluídas nesse acordo. Aliás, dessa análise emana precisamente o oposto: o acordo reafirma matérias gravosas da legislação laboral e, inclusivamente, agrava outras.
Uma das medidas incluídas no acordo aponta à manutenção da norma da caducidade da contratação colectiva. Num folheto da CGTP-IN em que se troca por «miúdos» o conteúdo do acordo, de que o Avante! deu nota na sua última edição, acusa-se o Governo de manter «nas mãos dos patrões a possibilidade de chantagear os trabalhadores e os seus sindicatos de classe». Intervindo numa iniciativa recente em Sousel, Jerónimo de Sousa realçava que avançar com ideias de reforço da mediação e de avaliação de motivos antes da decisão sobre a caducidade «não é solução, como não é solução submeter os direitos dos trabalhadores à discricionariedade das decisões de colégios arbitrais».
No que respeita ao banco de horas grupal, também incluído no acordo, a Intersindical denuncia o objectivo último desta medida: agravar a redução da retribuição dos salários ao oferecer ao patronato 150 horas de trabalho extraordinário gratuito em cada ano.
Acordo agrava precariedade
O acordo celebrado pelo Governo do PS, o patronato e a UGT inclui diversas medidas que agravam a precariedade, independentemente das juras solenes dos seus promotores de que a estão a combater. O alargamento do «período de experiência» de 90 para 180 dias para trabalhadores desempregados ou à procura de primeiro emprego não só retoma uma norma reprovada em 2008 pelo Tribunal Constitucional como oferece aos patrões mais tempo para despedir sem fundamentar nem indemnizar. Na já referida intervenção, o Secretário-geral do Partido realçava que se impunha, sim, a «eliminação da norma que, nesta circunstâncias, prevê a contratação a prazo e não a sua substituição por outra particularmente gravosa».
O acordo oferece ainda aos patrões a possibilidade de recorrerem a um mecanismo que está, hoje, circunscrito a situações e sectores específicos: a possibilidade de estabelecer contratos de muito curta duração, de 15 para 35 dias, em todos os sectores. Para a CGTP-IN, tal medida «facilitaria ainda mais a ocupação de postos de trabalho permanentes por trabalhadores com vínculo precário».
A taxa de rotatividade excessiva proposta pelo Governo, paga pelas empresas sempre que ultrapassem a respectiva média sectorial de precariedade (que na maioria dos sectores se situa entre 30 e 60 por cento), mais não faria do que introduzir um nível de precariedade «aceitável», independentemente das justificações que sustentem, ou não, as contratações precárias. Relativamente a isto, Jerónimo de Sousa fala na «tolerância» para com a precariedade e a CGTP-IN refere-se à sua legitimação mediante o pagamento de uma «taxinha».
A admissão de incentivos fiscais a empresas que passem trabalhadores com vínculos precários a vínculos efectivos representa, para o PCP, a atribuição de verbas a empresas que mais não fazem do que a sua obrigação – cumprir a lei! – e mais uma forma de transferir fundos públicos para os cofres dos grupos económicos.
Neste quadro, alguns pequenos avanços que este acordo inclui (nomeadamente os referentes a uma maior eficácia da acção da ACT e do Ministério do Trabalho), e que terão de ser confirmados na prática, não alteram a apreciação negativa que os comunistas e o movimento sindical unitário fazem da proposta do Governo, dos patrões e dos seus aliados «sindicais».
Propostas para um rumo
de direitos e progresso
Em debate na Assembleia da República estarão também, amanhã, seis propostas do PCP relativas a questões laborais, que apontam em sentido diametralmente oposto ao que Governo, patronato e UGT cozinharam na chamada «Concertação Social». Juntamente com outras já apresentadas (ver caixa), corporizam um rumo de direitos, progresso e justiça social, em ruptura com a crescente exploração e precarização impostas por PS, PSD e CDS, que marca desde há décadas o dia-a-dia dos trabalhadores portugueses.
25 dias de férias
Dois dos projectos de lei do PCP fixam o direito a 25 dias de férias, no mínimo, na Administração Pública e no sector privado. Em ambos ressalva-se que deste aumento do período de férias «não pode resultar para os trabalhadores a redução do nível remuneratório ou qualquer alteração desfavorável das condições de trabalho». No que respeita à Administração Pública, o Partido propõe ainda majorações em função da idade: 26 dias úteis até o trabalhador completar 49 anos, 27 dias até aos 59 e 28 a partir desta idade, repondo os direitos anteriormente existentes.
(Projectos de lei 608/XIII/3.ª e 609/XIII/3.ª)
Repor montantes e regras de cálculo
de compensações por despedimento
O PCP propõe a reposição dos montantes e regras de cálculo nas compensações por cessação e despedimento, tais como a garantia do critério de um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, sem qualquer limite máximo de anos, para cálculo da compensação por despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho e inadaptação. A alteração de 2012 ao Código do Trabalho não só facilitou os despedimentos como ofereceu ao patronato a possibilidade de despedimento a «preço de saldo».
(Projecto de lei 647/XIII/3.ª)
Revogar normas
legitimadoras da precariedade
Acabar com as normas que consideram como justificação para a celebração de um contrato a termo certo as situações de desemprego de longa duração e de trabalhadores à procura do primeiro emprego é o objectivo de outra das propostas do PCP que amanhã vai a votos. A precariedade do emprego, garante o Partido, é a da família e da vida, da formação, qualificações e experiência profissional, a do perfil produtivo e da produtividade. Para os comunistas, a um posto de trabalho permanente deve sempre corresponder – independentemente de quem o ocupe – um vínculo contratual efectivo.
(Projecto de lei 797/XIII/3.ª)
Limitar critérios para despedimento
Limitar critérios e alterar requisitos para os despedimentos colectivos e por extinção do posto de trabalho e revogar o despedimento por adaptação são igualmente objectivos do PCP consagrados num projecto de lei. Nele, entre outras medidas, agrava-se contra-ordenações, repõe-se o prazo de um ano para impugnação do despedimento, aumenta-se o valor das indemnizações por despedimento ilícito (sempre que o trabalhador opte por ela em substituição da reintegração) e, no caso do despedimento por extinção do posto de trabalho, o seu abandono sempre que exista posto de trabalho compatível.
(Projecto de lei 886/XIII/3.ª)
Restringir o recurso a trabalho temporário
O último projecto que o PCP leva amanhã a debate visa fixar medidas de limitação do recurso a empresas de trabalho temporário para suprir necessidades: reduzindo as situações em que tal recurso é admissível e a duração desses contratos. Uma das normas propostas consagra que «a duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações, não pode exceder a duração da causa justificativa nem o limite de seis meses». Caso contrário, é considerado efectivo com a empresa onde presta serviço.
(Projecto de lei 912/XIII/3.ª)
Valorização dos trabalhadores
é condição da alternativa
Os importantes projectos que o PCP leva amanhã a debate inserem-se num conjunto mais amplo de medidas para valorizar os trabalhadores – eixo fundamental da Política Patriótica e de Esquerda que propõe ao País. Em diversos momentos, o Partido levou à Assembleia da República aquelas que eram não só propostas suas como motivos de luta que os trabalhadores travavam (e travam!) nas empresas e locais de trabalho:
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aumento do salário mínimo nacional para 600 euros a partir de Janeiro de 2018;
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fixação em 35 horas do horário semanal de trabalho para todos os trabalhadores;
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reposição dos montantes e regras de cálculo do pagamento do trabalho extraordinário, trabalho suplementar e em dia feriado;
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revogação dos mecanismos de adaptabilidade individual, do banco de horas individual e de outras formas de desregulação de horários;
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reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhadores e proibição da caducidade dos contratos colectivos de trabalho por via da sua renovação sucessiva até à sua substituição por outro livremente negociado entre as partes;
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promoção da participação dos trabalhadores em matérias de segurança e saúde no trabalho.
Nestas propostas, como noutras relativas a questões laborais, o PS associou-se a PSD e CDS para as travar. Esta opção do PS foi várias vezes caracterizada pelo Partido (nomeadamente em intervenções do Secretário-geral) como uma prova da sua convergência em questões estruturantes da política de direita e dos fortes laços que o une a PSD e CDS quando se trata de optar pelos interesses do capital. A convergência entre esses três partidos confirma ainda uma mesma intenção de consolidar o retrocesso que foi imposto aos trabalhadores portugueses nos últimos anos e assegurar que os interesses do grande capital se mantêm intocáveis e invioláveis.
Os limites do Governo do PS ficam, assim, plenamente confirmados.