A fingir que não estão encostados

Rui Fernandes

Mas também aqui esteve mal o Governo e a Chefia do Exército

Já se percebeu que o CDS anda à babuje dos casos, procurando desse modo projecção. Claro que a projecção resulta de um quadro mediático que vive e se suporta nos casos, ou seja, alimentam-se mutuamente, passando, como convém, ao lado do sentido profundo dos acontecimentos. Foi neste contexto que o CDS agendou na Assembleia da República, no passado dia 21 de Março, uma declaração política sobre Forças Armadas pela voz de João Rebelo. Se em resultado do congresso do CDS se aplica a fábula «a rã que queria ser boi», no caso desta declaração, pelo seu conteúdo, pode-se bem dizer que «a montanha pariu um rato». Uma declaração para falar de Tancos e da missiva dos chefes?

Sobre a gravidade do que se passou em Tancos tudo está dito há muito tempo e não seria o relatório que a apagaria. Sobre as responsabilizações pelo estado a que as coisas chegaram está igualmente claro que sucessivos chefes e governos subestimaram as eventuais consequências. Não há artifícios argumentativos que a rasurem. E está também claro que não há de ser um sargento que se esqueceu, segundo as notícias, de actualizar a lista de inventário após um exercício, e um cabo e um capitão que têm a responsabilidade pelo estado calamitoso a que tudo aquilo chegou. Daí que notícias publicadas, que se limitaram a estabelecer uma relação entre Tancos e as punições disciplinares que foram aplicadas, induzindo quem as leu a concluir que «ali estão os responsáveis», mais não fosse do que atirar poeira para os olhos. Mas também aqui esteve mal o Governo e a Chefia do Exército por não terem vindo, até por antecipação, colocar os pontos exactos nos is, não deixando que sobre estes militares «ficasse carga» que a eles não pertence. Foi feio!

Responsáveis

Sobre a missiva dos chefes o título poderia ser «entrada de leão e saída de sendeiro». No fundo, foi aquilo que a declaração do CDS também constituiu. Houve aqui uma lógica unidade.

Mas os problemas nas Forças Armadas existem e têm também responsáveis: as políticas seguidas por sucessivos governos PS e PSD com ou sem CDS. As opções estruturantes adoptadas em matéria de organização, de método de escolha das chefias, de opções de reequipamento, de incumprimento de legislação (por exemplo, lei dos incentivos ou a do associativismo sócio-profissional). A destruição das capacidades nacionais ou a alienação do papel estratégico do Estado em sectores ou empresas relevantes para o País mas também para as Forças Armadas. O arraso dado a vários aspectos da Condição Militar pelo governo PSD/CDS. A concepção de que as Forças Armadas devem ser multiusos, subvertendo os dispositivos constitucionais. Já para não falar na inserção e participação externa na NATO e na dinâmica em curso ao nível da União Europeia, com todas as consequências que daí decorrem e irão decorrer, embrulhado nas terminologias oficiais pomposas de «um país produtor de segurança», rasurando as cada vez maiores debilidades, nalguns casos superadas através de práticas de utilização de militares para funções incompatíveis com o seu posto, dentro do «nacional porreirismo» característico.

Em tudo isto, e muito mais, sempre houve convergência entre o PS, PSD e CDS. E ela não desapareceu, continuam todos encostados.




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