Farras

Jorge Cordeiro

Confesse-se a invasora hesitação que nos assalta quando chamados a caracterizar a afirmação que se soltou da boca do ministro da Agricultura aconselhando as autarquias a poupar dinheiro em «festas». A eloquente «tirada», plena de sentido de Estado, foi a resposta encontrada por Capoulas Santos perante as reconhecidas dificuldades que municípios e freguesias têm sinalizado para proceder ao que o Governo empurrou para eles em matéria de limpeza e organização de espaço florestal.

Pode-se sempre, com bonomia e condescendência, ver o desabafo como irreflectida afirmação, uma ocasional manifestação mal-humorada, sabe-se lá se aziado com algum protesto de pequenos produtores, habituado que está ao remanso da afável relação com os da CAP. Pode-se, ainda, e com mais fundamento ver aí uma irreprimível pulsão populista das que por aí vagueiam em inquietante e indisfarçável erupção. Já se conhecia a menorização do poder local por via da efabulação das «rotundas» e «obras sumptuárias» dos que não se conformam com o poder local democrático. Agora junta-se pela voz de um membro do Governo a ideia de que programações culturais, valorização de tradições locais, romarias pagãs ou religiosas, reduzidas pejorativamente a «festas», são mero esbanjamento. Ou pode-se, com maior grau de acerto, ver ali uma desajeitada verbalização do incómodo pela persistente desresponsabilização do Estado no que à floresta e ao seu ordenamento respeita. Se a afirmação do ministro encontra fundamento face nas reiteradas observações das autarquias quanto à impossibilidade de cumprir em tempo, meios e recursos o muito que é preciso fazer, então a conclusão a extrair será mais óbvia: olhando para a incúria e abandono a que floresta foi sujeita por sucessivos governos ao longo de décadas e atendendo a que Capoulas Santos por eles passou em várias ocasiões só se pode concluir que nessas funções terá gasto o tempo a esbanjar dinheiro em festas e a saltar de farra em farra.

 



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