Onde é que eu já ouvi isto?

João Frazão

Eles não perdem nenhuma oportunidade para vender o seu peixe e, em boa verdade, há sempre uma oportunidade, uma passadeira vermelha que lhes estendem para fazerem o seu contrabando de ideias quase sempre velhas como velha é a exploração.

Destacam-se entre eles os CEO deste mundo, que é a nova terminologia para identificar os administradores das empresas e particularmente os das empresas tecnológicas, que é sempre de modernidade que falam.

Esta semana, ouvimos, num espaço que a Antena 1 e o Jornal de Negócios premonitoriamente intitulam «Conversa Capital», o CEO e Chairman da Nova Base, empresa tecnológica em ascensão, dizer que, não sendo urgente, é necessário fazer uma reforma na legislação laboral, que está anacrónica.

Discorre sobre a nova realidade dos trabalhadores, que não se coaduna com essas leis do trabalho de outro tempo, uma vez que a «relação que os “millennials” (nova designação dos seres humanos deste milénio) têm com o trabalho e com o lazer não é a nossa», ilustrando com «um trabalhador da Nova Base que pode estar às 4h da manhã a trabalhar em casa», ou seja, segundo ele, os trabalhadores agora já não têm os mesmos ritmos de antigamente.

Para este senhor, portanto, os dias já não se sucedem às noites e estas não são, em princípio para dormir e descansar. Para ele, qualquer hora é hora, e é natural que, a desoras, e sem receber mais por isso, os trabalhadores estejam disponíveis para a empresa. Horários dignos, direitos, vínculos estáveis, isso é coisa do passado. Vida pessoal, relações familiares, possibilidade de organização do seu tempo, tempo para viver, enfim, tudo isso está em desuso e deve ser afastado do caminho da internacionalização, da globalização, das taxas de rentabilidade e da «corporate governance».

Afirmando que Portugal é bom para se viver, mas não para trabalhar, o CEO já tem a solução para isso. Menos carga fiscal e desregulação da legislação laboral.

Onde é que eu já ouvi isto?

 



Mais artigos de: Opinião

Contradições

Chovem notícias indicando o aprofundamento da crise do capitalismo. A guerra comercial proteccionista, até aqui encoberta sob a capa de sanções, multas ou questões sanitárias, é cada vez mais aberta. Trump anunciou tarifas sobre todas as importações de...

Armando de Castro: um legado que perdura

Faz este ano 100 anos que nasceu Armando de Castro. Economista, marxista, advogado, investigador, professor, resistente antifascista e comunista, Armando Castro deixou uma vasta obra publicada, com centenas de trabalhos nos domínios da História, Economia Teórica e Aplicada e Teoria do Conhecimento. Um dos grandes vultos da ciência e do pensamento económico em Portugal.

Farras

Confesse-se a invasora hesitação que nos assalta quando chamados a caracterizar a afirmação que se soltou da boca do ministro da Agricultura aconselhando as autarquias a poupar dinheiro em «festas». A eloquente «tirada», plena de sentido de Estado, foi a resposta...

O pessimismo deles anima-nos

Duas luminárias das crónicas de direita manifestaram este fim-de-semana o seu pessimismo, tanto em relação ao nosso País como em relação à UE. Um (Vicente Jorge Silva, no Público), recorre abundantemente a um truque reles: apreensivo com o crescente peso...

Batem à porta

À entrada de um túnel em Coval, Santa Comba Dão, o Intercidades da Beira Alta descarrilou no passado domingo, atingido por um deslizamento de terras. Não houve feridos, os 75 passageiros foram socorridos com presteza e conduzidos à A. C. R. de Coval e, os que quiseram, seguiram viagem...