Sangue no nariz do mundo

António Santos

A última coisa que Steve Bannon, ex-estratega de Trump, disse antes de ser despedido foi «não há solução militar para a Coreia do Norte». Talvez por isso, os alarmes soaram quando, na semana passada, a Casa Branca retirou inesperadamente a nomeação de Victor Cha como próximo embaixador dos EUA em Seul. O «especialista em Coreia do Norte» já tinha a aprovação do regime sul-coreano e passara pela costumeira bateria de testes de segurança para assumir o cargo mas terá perdido a simpatia de Trump quando rejeitou a estratégia de «nariz ensanguentado» alegadamente proposta pelo presidente: levar a cabo um ataque incisivo que reduzisse drasticamente a capacidade de defesa da RPDC de modo a mais facilmente chantagear e submeter este povo.

Dias mais tarde, num artigo de opinião no Washington Post, Cha explicava a desafinação com Trump: «simpatizo com a esperança, partilhada por alguns responsáveis da administração Trump, de que um ataque militar pudesse obrigar Pyongyang a compreender a força dos EUA [...] mas há um momento em que a esperança deve ceder passagem à lógica». Para Cha, «a resposta não é um ataque militar preventivo» mas sim a imposição de mais sanções económicas.

Se não sobrassem já suficientes motivos de alarme, Trump fez do seu discurso do Estado da União, no passado dia 30 de Janeiro, uma cópia agoirenta das palavras proferidas, pela mesma ocasião, por George W. Bush antes de invadir o Iraque. No lugar das «crianças iraquianas esfomeadas», Trump contou a história de um «rapaz coreano esfomeado»; no lugar das «armas de destruição maciça», estiveram os «misseis nucleares coreanos». Nem sequer faltou o velho «eixo do mal», agora actualizado com Cuba, Irão, Venezuela e Coreia do Norte.

Eixo do Mal 2.0

As palavras de Trump foram «A minha administração também impôs duras sanções às ditaduras comunista e socialista de Cuba e da Venezuela. Mas nenhum regime oprime tanto e tão brutalmente os seus cidadãos como a cruel ditadura da Coreia do Norte. O imprudente programa nuclear da Coreia do Norte pode muito brevemente ameaçar a nossa pátria. Temos em curso uma campanha de máxima pressão para evitar que isso aconteça. A experiência do passado ensinou-nos que a complacência e as concessões só convidam à agressão e à provocação. Não vou repetir os erros de administrações anteriores».

Já as palavras de Bush foram «O regime iraquiano tem um programa para desenvolver antraz, gás sarin e armas nucleares [...]. Ao desenvolver armas de destruição maciça representa um perigo crescente. Pode atacar os EUA ou os nossos aliados. Em qualquer dos casos, o preços da indiferença seria catastrófico. [...] A América fará o que for necessário para garantir a segurança da nossa nação. Vamos ser assertivos [...] Não vou esperar enquanto os perigos se acumulam. Os EUA não vão permitir que os regimes mais perigosos do mundo nos ameacem com as armas mais destrutivas.»

As provocações à RPDC não são de agora. O imperialismo muito menos. Mas que ninguém subestime o aventureirismo de Trump nem da classe que ele representa. Morram cem, mil ou um milhão, nunca é o nariz dele que sangra.




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