Comentário

Cimeira UE-África

João Ferreira

Teve lugar na semana passada, em Abidjan, capital da Costa do Marfim, mais uma Cimeira UE-África.

Por detrás das velhas e estafadas encenações em torno da «ajuda ao desenvolvimento», que recrudescem com acrescido vigor por estes dias, sobra a crua realidade de uma UE que sempre olhou para o continente africano como um imenso tabuleiro de disputa imperialista: por mercados, matérias-primas e zonas de influência.

A este respeito, se há novidade digna de registo é a de ser cada vez mais difícil de esconder o gato, posto que o felino tem já bem mais do que o rabo de fora.

A intensificação da militarização do continente, com presença e intervenção militar directa de tropas europeias em países como o Mali, a Mauritânia, o Chade ou a Líbia, é uma das faces mais visívies da nova cruzada em curso sobre o continente africano.

No plano económico, em 2015, o investimento de empresas da UE no continente africano já superou largamente a chamada Ajuda Pública ao Desenvolvimento registada em 2016. Esta última é cada vez mais condicionada à aceitação por parte dos países africanos de modelos de organização do Estado, do poder político e da economia, em linha com a cartilha neoliberal. O foco do «apoio» está cada vez mais no desenvolvimento do «sector privado», nas parcerias público-privado, na «boa governação». Para além de exportar modelos, exporta-se instrumentos. A última novidade é a criação de um «Plano Juncker» para África, assente no chamado Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável e no Plano de Investimento Externo. Tal como o original, na sua essência, trata-se de um gigantesco plano de parcerias público-privado, com o qual se espera mobilizar até 44 mil milhões de euros de investimentos, a partir de recursos públicos que serão dirigidos a empresas privadas (fundamentalmente europeias, claro está) que cuidarão depois de os «alavancar» com investimentos em áreas que podem ir da «segurança» ao novo maná da economia verde, energia e alterações climáticas. Não por acaso, dois dias antes da Cimeira, Abidjan acolheu igualmente o «6.º Fórum Empresarial UE África».

A condicionalidade da «ajuda» expressa-se também na imposição da aceitação por parte dos africanos das políticas da UE no domínio das migrações, sempre elucidativamente associadas à «segurança», justificando assim também a escalada militarista. Na prática, ou os países africanos aceitam a opção da UE de «externalização de fronteiras», que lhe permite fazer longe dos holofotes o serviço sujo de contenção de migrantes em campos de detenção com condições infra-humanas, pagos com a «ajuda ao desenvolvimento», ou a torneira da «ajuda» deixa de correr.

Em bom rigor, pouca novidade. A chantagem foi um elemento desde sempre presente na relação da UE com os países africanos. Antes expressa na forma «mais por mais»: os países africanos viam-se confrontados com a pressão para, por exemplo, liberalizarem as trocas comerciais em troca de mais «ajuda», com isso fragilizando os seus incipientes sistemas produtivos e expondo-os a uma destrutiva concorrência com os europeus, que teve sempre o efeito pernicioso de acentuar a dependência em lugar de promover o desenvolvimento. Hoje, a chantagem tende a adquirir expressão numa nova abordagem de tipo «menos por menos»: a «ajuda pública», a concessão de preferências comerciais ou outras formas possíveis de «incentivo» são decrescentes consoante o grau de consecussão dos objectivos políticos da UE.

Assim se tece a teia das ambições neocoloniais do capital e das potências europeias. Urge denunciá-la, combatê-la e desmontá-la.




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