Produção nacional é estratégica para o país

Vasco Cardoso

A inversão do actual rumo é justa, é necessária, é possível

No mar de informação de natureza económica que circula, por entre a verborreia das start-ups, dos clusters e do empreendedorismo, o papel da produção nacional como elemento estruturante de uma política económica tem estado, está, ausente nas decisões políticas. Na concepção de sucessivos governos, incluindo do actual governo minoritário do PS, a produção nacional é apenas a soma do efeito conjugado de diferentes empresas e da lógica de mercado, não é uma preocupação, não é um objectivo, não é um instrumento para garantir o desenvolvimento económico.

Ora, não há resposta aos problemas estruturais do País sem encarar de frente o seu défice produtivo. Portugal é um país deficitário porque produz menos do que aquilo de que necessita e importa mais do que aquilo que pode. As consequências do défice produtivo sentem-se de forma transversal. No endividamento público e externo, nos desequilíbrios e desigualdades do território, no desemprego estruturalmente elevado, no atraso (e também défice) científico e tecnológico, na distribuição da riqueza, nas contas públicas, na saída de capitais, na dependência externa e exposição do País à pressão e à chantagem por parte de credores/especuladores, bem como a outros factores externos num contexto de instabilidade decorrente da natureza e crise do capitalismo.

Não se chegou aqui acaso. O desprezo pelos sectores produtivos tem um percurso que emana do ventre da política de direita. Da destruição da Reforma Agrária às privatizações, do Mercado Comum à liberalização dos sectores estratégicos, da adesão ao euro às políticas ditas de controlo orçamental. O definhamento do aparelho produtivo nacional, ainda que de forma irregular, marcou as últimas décadas.

Inverter o rumo

Portugal tem um défice estrutural na sua balança comercial que apenas foi temporariamente superado durante o pacto de agressão, e não pelas melhores razões, mas porque a retracção do consumo interno e a quebra no investimento foi tão brutal que levou ao facto das exportações superarem as importações. A retoma de alguns indicadores económicos após o afastamento do governo PSD/CDS, decorrente das medidas de reposição de direitos e rendimentos, tiveram, dadas as fragilidades do aparelho produtivo nacional, o efeito de um novo aumento das importações induzido sobretudo pelo aumento do consumo interno e do investimento. E não se leia nestas palavras qualquer falsa dicotomia entre o aumento dos rendimentos e os equilíbrios externos, mas antes a necessidade de fazer também avançar uma política de Estado de substituição de importações por produção nacional.

A inversão do actual rumo é justa e é possível. Mas colide com as imposições da União Europeia para quem Portugal está condenado a ser destino dos excedentes das grandes potências, e confronta-se também com os interesses do grande capital. Veja-se o papel dos grupos monopolistas da grande distribuição no esmagamento dos preços à produção ou na importação de mercadorias estrangeiras, o papel da banca privada na falta de financiamento às PME, o papel que o domínio monopolista sobre a energia, as comunicações ou os transportes teve no estrangulamento das potencialidades produtivas do País.

A defesa da produção nacional é uma questão estratégica para o presente e para o futuro. A valorização da da indústria, da agricultura e das pescas reclama uma política substancialmente diferente. Garantir a soberania alimentar, a soberania energética, a produção de bens e equipamentos de elevado valor acrescentado que diminuam as importações de mercadorias e potenciem e diversifiquem as nossas exportações requer uma outra política e um governo capaz de a concretizar. A batalha pela produção nacional, aí está, para ser travada pelos trabalhadores e pelo povo português.

 



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