Juncker, urbi et orbi
Passou mês e meio desde que o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, proferiu, perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, um discurso sobre o «estado da União».
O nome do discurso e a encenação que o acompanha (bem se percebe que nada inocentes) visam replicar o homónimo discurso que o presidente dos EUA profere anualmente perante as duas câmaras do Congresso daquele país.
O discurso deste ano inseriu-se na ofensiva em curso visando sustentar um novo salto qualitativo no aprofundamento do processo de integração capitalista europeu.
Em que se traduz este salto?
Apontemos três aspectos essenciais, abordados no discurso de Juncker.
Em primeiro lugar, pretende-se promover uma ainda maior concentração do poder económico e político no seio da UE. Reforçando relações de dependência económica e de subordinação política já hoje evidentes.
Para isto concorrem, por exemplo: o fim da regra da unanimidade nas (poucas, embora importantes) áreas em que esta ainda subsiste e a imposição da decisão por maioria qualificada em todas as decisões, reforçando (ainda mais) o poder dos países maiores; a criação de um «ministro das finanças e da economia» da Zona Euro, com poder já não apenas no domínio orçamental, sobrepondo-se aos parlamentos nacionais, mas também na imposição de «reformas estruturais» no plano nacional; a atribuição de mais competências e poder à UE em áreas como a justiça e a segurança, sendo de destacar a proposta de avançar para a criação de «serviços secretos da UE» e de uma «procuradoria da UE».
Em segundo lugar, como se já não bastasse o que vimos nos últimos anos, reforça-se a intenção de erigir o neoliberalismo em doutrina única admissível. A concentração de poder anteriormente mencionada é necessária para impor esta insistência num cortejo de políticas e orientações de carácter marcadamente anti-social.
Alguns exemplos: a ambição de avançar mais no domínio da liberalização e desregulação do comércio internacional, assim aumentando a pressão sobre os salários, direitos laborais, normas de protecção social e ambiental; o objectivo de consolidar a chamada «União Bancária», promovendo a concentração monopolista do sector bancário à escala europeia e amputando os estados de mais este reduto de soberania; a renovada profissão de fé no mercado único, lançando-o em força para áreas como a energia e o digital, à medida dos interesses das multinacionais europeias, defendendo a sua ambição colonizadora de novos mercados e as suas taxas de lucro.
Em terceiro lugar, confirma-se a escalada militarista em curso e a crescente afirmação da UE como pilar europeu da NATO.
Os planos incluem o reforço do Fundo Europeu de Defesa, pondo uma parcela crescente do orçamento da UE ao serviço do desenvolvimento de novo armamento e capacidades militares; o apoio directo à indústria europeia do sector; a criação de um «exército europeu».
No confronto e disputa à escala global por mercados, matérias-primas e zonas de influência, o grande capital europeu e os respectivos estados nacionais exigem, cada vez mais, uma UE apta a intervir militarmente onde quer que considerem necessário, na defesa dos seus interesses.
O rumo que Juncker anuncia, falando em nome dos beneficiários e mandantes da integração capitalista europeia, não é uma inevitabilidade. Será a luta dos trabalhadores e dos povos da Europa, pelo direito ao seu desenvolvimento soberano e pela ruptura com os constrangimentos que o impedem, que irá definir os caminhos de que se fará o futuro do continente.