Um outro olhar sobre Lisboa

Manuel Augusto Araújo

Evolução da cidade pode ser visitada com proveito no Museu de Lisboa Título: Um outro olhar sobre Lisboa

Lisboa tem sido nos últimos anos centro de uma transformação em linha com o conceito das cidades neoliberais, a Cidade-Empresa em que o que interessa não é a cidade nem os seus cidadãos, mas o seu encanto para atrair os grandes interesses privados e os lucros que gera. É a cidade projectada e de facto comandada por Manuel Salgado, que muito excita o suposto presidente da autarquia a pregoar embevecido «o momento de dinamismo, vibração, ânimo, polaridade positiva» e mais umas tantas patacoadas pacóvias exaltando uma cidade de que os lisboetas são progressivamente excluídos. Como Ana Jara (*) bem sublinhou «a Cidade-Empresa não é apenas uma mudança administrativa nem o decalque de um modelo de gestão e operativo, como poderiam argumentar os que o preconizam. É o propósito e a ideia de Cidade e de Poder Local que vão sendo redefinidos nesta teia de sobreposição de interesses. A construção da Cidade Neoliberal apodera-se dos poderes públicos locais.» Essa ameaça bem real paira sobre Lisboa, disfarçada por uma intensa maquilhagem que alegra a paisagem, para lisboetas e sobretudo turistas verem, enquanto as transformações de fundo seguem o seu curso, avolumam os problemas dos alfacinhas.

Lisboa é uma cidade antiga e magnífica que sofreu ao longos dos séculos vários sucessos em que é central a reconstrução pós-terramoto de 1755, decidida pelo Marquês de Pombal que teve a visão de eleger o projecto de Eugénio dos Santos a que se sucedeu Carlos Mardel. Outras intervenções urbanísticas tiveram o mesmo rasgo. Exemplo o urbanismo progressista das Avenidas Novas quando Lisboa se expandiu para Norte, projecto de Ressano Garcia, autor de outras intervenções urbanas marcantes: Campo de Ourique, Bairro Barata Salgueiro, Bairro Camões, Bairro da Estefânia, Avenida 24 de Julho. Outras intervenções poderiam ser referidas por se destacarem da tralha urbanística dominante.

A história da evolução da cidade pode ser visitada com proveito no Museu de Lisboa, no Campo Grande e de certa maneira no Lisbon Story Center, no Terreiro do Paço (é irritante este provincianismo da titulagem anglo-saxónica que nos invade ruidosamente, veja-se o serviço público da televisão perante o silêncio de um ministro que se diz defensor da língua portuguesa).

Há sempre mais para ver e descobrir em Lisboa, sobre Lisboa. É o caso da exposição 22 Cidades Ibero-americanas e Lisboa: um diálogo urbano-arquitectónico. (**). Na sua base registos fotográficos que o arquitecto, estudioso e investigador da história da arquitectura, José Manuel Fernandes fez durante trinta anos. É uma selecção de imagens, executadas em várias cidades de países ibero-americanos, organizadas por áreas geográficas: Norte e Mesoamérica, Caribe, Brasil, Cone Sul e Península Ibérica / Ilhas Atlânticas. São vinte e duas as cidades visitadas pelo autor, apresentadas e analisadas em sistemática comparação com Lisboa.

Cada imagem, uma para cada cidade ibero-americana e a sua relação específica com Lisboa, é apoiada por um texto temático tendo em anexo dados essenciais de cada urbe: data fundacional, população actual, valores patrimoniais. Situa-se assim Lisboa, uma cidade que afirmou o seu cosmopolitismo na época dos descobrimentos, no mundo ibero-americano como cidade-irmã dessas outras urbes nas complexidades dos seus espaços, nas diversidades das suas formas arquitectónicas. Uma outra forma de olhar para Lisboa e de revelar a sua presença no mundo. É uma exposição a ver, que escapa à pletora dos circuitos turísticos, um singular roteiro turístico no seu anti turismo.

 

(*) A Lisboa Pós-Salgado, 2007-2017, Ana Jara, Caderno Vermelho 25, Setembro 2017

(**) Casa dos Mundos, Rua Nova da Piedade 66, até 31 de Dezembro

 



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