O que é mesmo necessário é pôr trancas na política de direita

Rui Fernandes

Há uma descaracterização e invasão de prioridades das Forças Armadas

LUSA

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Depois do assalto ao paiol de armas na Direcção Nacional da PSP, dos incêndios e suas dramáticas consequências, eis que surge o assalto, acompanhado de enorme e justificado sobressalto, a um paiol de armas em Tancos. Como de costume, desenvolveu-se uma panóplia de análises, exclamações, determinações e sentenças. Uma espécie de concurso teve lugar para captação de holofotes mediáticos, incluindo de alguns com responsabilidades no estado a que as coisas chegaram.
O que aconteceu em Tancos, e as subsequentes exonerações e demissões, é o resultado de um processo de descaracterização e inversão de prioridades das Forças Armadas para o qual o PCP, desde há largos anos, vem alertando para procurar suster. Alertas e intervenção silenciadas por alguns dos mesmos que apareceram agora a perorar como se tivessem descoberto aquilo que há muito silenciam.
Um processo que tem o seu epicentro na política de direita de sucessivos governos do PS e do PSD, com ou sem o CDS-PP. Um processo que crescentemente partidarizou a escolha das chefias militares, promoveu o conceito de submissão e não de subordinação, penalizou quem questionava mesmo que fosse ou seja um militar de excelência. Animou os esquemas, transformou a velha máxima de que «a tropa manda desenrascar» em «a tropa manda agradar». Alimentou ao extremo a ideia de que seria possível fazer mais com menos – aliás, é isso que se houve nos discursos da praxe de ministros e de muitos chefes militares, ano após ano.
Que importou e importa que militares andem a saltar de navio em navio para assegurar guarnições ou que andem, no caso dos hélis, sistematicamente em voo? Que importou e importa que Cabos Mor continuem a fazer serviço como se tivessem chegado à Marinha há seis meses? Que importou e importa que em vez de valorizar e responsabilizar funcionalmente de baixo para cima, a opção seja desvalorizar em baixo para justificar o topo? Que importou e importa as sucessivas desvalorizações sócio-profissionais e ataques ao estatuído na Lei de Bases Gerais da Condição Militar através das alterações ao Estatuto dos Militares (EMFAR) ao Regulamento de Avaliação do Mérito, nos Direitos à Saúde, no Apoio Social, etc.? Que importa que no Lar da Runa o valor base tenha aumentado, ainda agora, 13,5 por cento e que em Janeiro se perspective outro aumento idêntico? Que importou ou importa que as alterações cortem no valor a receber pelas famílias em caso de morte de um militar em missão no estrangeiro? Que importou ou importa que por via das Associações Profissionais (APM), sejam elaborados e entregues estudos, análises e sugestões que não só são ignorados pelos que acham que hierarquia é sinónimo de exclusivo de sabedoria, como acham que podem desrespeitar a lei e que quanto mais a desrespeitarem com mais apreço contam?

Dúvidas, interrogações
e responsabilidades


Ficamos por aqui, mas a lista das interrogações poderia prosseguir. Todo esse processo terá no seu desenvolvimento, é inevitável, momentos que exporão as suas fraquezas ou fragilidades, algumas talvez bem maiores do que o assalto ao paiol de Tancos. Fique bem claro: o assalto ao paiol de Tancos é muito grave por todas as razões. Mas é-o menos o País não poder ter um navio (já aconteceu) para prestar apoio numa dada área marítima? E ter tripulações saturadas não o é? Não ter pilotos nas suas diversas formações, qualificações, funções e postos não o é? Ter militares desvalorizados e desmotivados, não o é?
Há muito que a Instituição Militar é sujeita a um sistema de alterações sucessivas, com umas medidas a sobreporem-se às outras, num processo atabalhoado porque desenvolvido assente no não investimento, para além da sua duvidosa necessidade a não ser para forçar um caminho de padronização com os modelos NATO e adaptação ao processo de federalização da UE. Um processo que desarticula, subverte conceitos, liquida métodos substituindo-os pelo vazio ou pela discricionariedade e que faz, em muitos casos,  apelo a um bom-senso que não se compra em lado algum, e que convive paredes meias com o muito conhecido princípio do «sempre foi assim».
Um processo que tem investido naquilo que não é necessário e não obtém ou investe naquilo que o é. Um processo que reduz a modernização ao reequipamento.
Dirão alguns, provavelmente os do costume, que o que aconteceu em Tancos nada tem a ver com isto. Alguns até serão tentados a comentar, desvirtuando o que se escreve, que «lá estão eles», até chamam à colação a NATO como se ela tivesse alguma responsabilidade pelo assalto a um paiol.
Acima do paiol de Tancos está um outro, metaforicamente falando, chamado Portugal.

 



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