Política fiscal mais justa é condição da alternativa patriótica e de esquerda
PROPOSTA Na sessão sobre política fiscal promovida pelo PCP no dia 13, em Lisboa, ficou clara a possibilidade de se aumentar os recursos do Estado e, ao mesmo tempo, reduzir-se consideravelmente as gritantes desigualdades sociais existentes.
Só as camadas populares sentem o peso dos impostos
Intervindo no encerramento dos trabalhos, Jerónimo de Sousa sublinhou a importância da matéria em debate, reconhecendo na proposta de uma política fiscal «ao serviço do povo e do País» uma condição determinante, embora não suficiente, da política alternativa que o PCP propõe ao povo português. Como realçou o Secretário-geral, é imperativa a realização de uma política fiscal que «corresponda aos interesses nacionais», contribuindo para a dinamização da economia nacional, o alívio fiscal das classes antimonopolistas, a criação de emprego e uma melhor distribuição da riqueza e simultaneamente para assegurar os «necessários meios ao Estado para que este responda às necessidades do nosso povo e do desenvolvimento nacional».
Numa sessão em que intervieram, entre outros, os deputados Paulo Sá e Miguel Viegas e os economistas Eugénio Rosa e Ana Oliveira, reafirmou-se a convicção de existirem, hoje, condições para concretizar «algumas das propostas com ganhos significativos para as condições de vida do povo e do País e para a criação de bases objectivas e subjectivas para a ruptura que se exige», como fez questão de sublinhar Jerónimo de Sousa. O dirigente comunista garantiu o empenho do PCP, nos próximos meses, em concretizar opções fiscais que alarguem a capacidade de receita do Estado e respondam às necessidades do País.
Propostas urgentes
No que respeita ao IRS, o PCP defende o aumento do número de escalões, reduzindo-se a tributação dos rendimentos mais baixos e agravando-se o imposto para rendimentos tributáveis mais elevados. A reposição das possibilidades de deduções à colecta relativas a despesas básicas das famílias, retiradas pelo anterior governo, é outra das medidas a implementar, a par da urgente resolução da situação criada pelo congelamento do valor do mínimo de existência que atingiu os salários mais baixos. Ainda no IRS, o PCP continuará a bater-se pelo englobamento obrigatório de todos os rendimentos, «cuja recusa beneficia os mais poderosos», como lembrou Jerónimo de Sousa.
Mas o Partido defende igualmente uma «mais justa tributação das grandes empresas» e, desde logo, o aumento em dois pontos percentuais da derrama estadual para as empresas com lucros tributáveis superiores a 35 milhões de euros, passando-a para nove por cento. Como lembrou o Secretário-geral do Partido, este é um objectivo que o próprio PS assumira com a anterior maioria PSD-CDS quando, juntos, aprovaram a reforma do IRC e a respectiva redução da tributação das empresas. Este propósito torna-se ainda mais exigível num momento em que se multiplicam os programas que, «dirigindo-se a todas as empresas, têm favorecido essencialmente os grandes grupos económicos», acrescentou.
Na sessão, o PCP reafirmou ainda a sua proposta de criação de um imposto sobre o património mobiliário, pretendendo alargar a tributação do grande património às acções, obrigações e outros títulos financeiros associados à acumulação de riqueza e à especulação financeira. A eliminação do Pagamento Especial por Conta e a sua substituição critérios justos e adequados de tributação das micro, pequenas e médias empresas; a redução do IVA em bens essenciais, como a electricidade e o gás natural, e em sectores específicos, como a cultura, são outras das propostas.
Jerónimo de Sousa garantiu ainda que o PCP intervirá activamente na discussão sobre benefícios fiscais, particularmente aqueles cuja vigência cessará no próximo ano e que terão de ser reconsiderados pela Assembleia da República, e sobre o reforço dos meios da Autoridade Tributária.
Opções de classe
Para além de dar expressão à afirmação das propostas do PCP em matérias fiscais, a sessão do passado dia 13 serviu também para denunciar opções passadas do PSD-CDS, e também do PS, que no essencial se mantêm. A política fiscal imposta pelos sucessivos governos da política de direita tem sido, lembrou-se, um pilar fundamental no processo de reconstrução e consolidação do capitalismo monopolista em Portugal.
O facto de os impostos sobre os rendimentos dos trabalhadores e pensionistas e o consumo das famílias terem um peso cada vez mais significativo no total das receitas fiscais e de ser cada vez menor a parcela assumida pelo capital revela o carácter de classe da política seguida. De facto, só as camadas populares sentem o elevado peso dos impostos, pois é reduzida a tributação sobre os grandes grupos económicos e financeiros e os seus lucros, dividendos e património e sobre a especulação financeira. É por o grande capital não pagar os impostos que devia que a carga fiscal portuguesa se encontra abaixo da média da União Europeia.
Da sessão saiu reforçada a convicção de que não há uma efectiva resposta ao grave problema da injustiça fiscal sem atacar os próprios fundamentos do capitalismo. O controlo dos fluxos de capitais e o controlo público sobre o sistema financeiro são questões estratégicas.
Números da injustiça
Muitos foram os exemplos dados na sessão pública de dia 13 que testemunham o carácter de classe da política de direita e das opções da União Europeia, também no que à fiscalidade diz respeito. Alguns números reveladores:
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em 2016, a parte dos «Ordenados e Salários» do Rendimento Nacional Bruto foi de 34,9 por cento, muito embora os trabalhadores por conta de outrem representem 82,7 por cento da população empregada;
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o IRS contribui com 68,4 por cento das receitas totais dos impostos directos, 2,4 vezes mais do que o IRC, que incide sobre empresas e representa apenas 29 por cento;
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em 2015, 92,2 por cento dos rendimentos declarados para efeitos de IRS eram rendimentos de trabalho e pensões. Os rendimentos provenientes de capital, propriedade e mais-valias ficavam-se pelos 2,8 por cento;
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a taxa máxima de IRS que incide sobre rendimentos de capital, propriedade e mais-valias é 28 por cento, ou seja, quase metade da taxa máxima que incide sobre rendimentos de trabalho;
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a taxa real de IRC cobrada em 2015 foi de 11,3 por cento, muito inferior aos 21+7 por cento que consta no Código do IRC;
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a OCDE estima que a perda de receitas devida à fraude e evasão fiscal se situe, à escala mundial, entre 4 e 10 por cento da totalidade das receitas do imposto sobre rendimentos das sociedades, o que equivaleria a um valor entre os 75 e os 180 mil milhões de euros anuais (ao nível de 2014);
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as transferências para paraísos fiscais que ficaram por fiscalizar atingiram, entre 2011 e 2014, 10 mil milhões de euros.
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segundo o Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Universidade do Porto, um valor correspondente a um quarto do PIB nacional escapa anualmente ao controlo e às inspecções tributárias.