Justiça, uma situação que preocupa

José Neto

«São justas as razões para o descontentamento dos magistrados»

As notícias que surgem dia após dia em torno de problemas no seio da classe dos magistrados dão mostras de uma situação que se arrasta e agudiza, o que não é bom prenúncio, tratando-se, como se trata, de uma importante área de soberania do Estado. Mas ao contrário do que possa parecer, o que se está a passar neste campo é muito mais do que uma guerra sindical entre os sindicatos de magistrados e o Governo.

Os magistrados – juízes e procuradores – continuam à espera há mais de oito anos pela actualização dos respectivos estatutos. Já pelo anterior governo PSD/CDS tinha sido afirmado que a aprovação de novos estatutos dos magistrados era necessária para o cabal funcionamento da nova organização judiciária – o novo Mapa aprovado em Setembro de 2014. O que hoje se passa é a completa desadequação e não correspondência dos estatutos à nova orgânica dos tribunais, o que cria graves disfunções.

Os estatutos dos magistrados, expressamente previstos na Constituição, e aprovados por lei da Assembleia da República, são importantes documentos onde estão contidos aspectos centrais que não podem ser descurados, como a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, e cuja defesa e preservação é absolutamente essencial à realização da Justiça – pilar fundamental do nosso regime democrático.

Mas, nos estatutos de ambas as magistraturas – juízes e procuradores – estão igualmente inscritas as normas correspondentes a uma classe profissional, entre outros, os órgãos e estruturas da magistratura, direitos e deveres, poder disciplinar, sistema de carreiras, retribuições. E é precisamente este conteúdo que devia estar na primeira linha de prioridade e preocupações de todos: governo, magistrados e cidadãos.

É público que juízes e procuradores têm vindo, através das sua estruturas associativas, a participar num processo negocial que se arrasta há anos sem um desfecho positivo, nem sequer a apresentação pelo responsável da pasta da Justiça de uma proposta de lei para discussão na Assembleia da República. Todos devemos reconhecer que aos magistrados como classe profissional assiste obviamente o direito de, através dos seus representantes, participar na definição das regras e condições que regem o seu desempenho profissional, para um melhor serviço às populações.

Com o 25 de Abril e a democracia, os profissionais da justiça alcançaram o direito a constituir as suas próprias associações sindicais representativas, através das quais intervêm em defesa da dignificação da sua classe e dos seus legítimos direitos. Não cabe aos magistrados, enquanto classe profissional, decidir do seu sistema de remunerações e carreiras, daí que lhes seja reconhecido o direito a intervir nessa definição, bem como a desencadear as formas diversas de luta e de protesto que, em última análise, podem chegar à greve, dentro dos limites constitucionais e legais.

A meio que estamos já da nova legislatura, o actual Governo, à semelhança dos anteriores, não dá mostras de resolver este problema de forma consensualizada com os magistrados, que continuam sem o seu Estatuto revisto.

São por isso justas, a nosso ver, as razões para o descontentamento dos magistrados. A situação de instabilidade gerada pelo descontentamento e desmotivação dos profissionais da justiça em nada favorece, nem a realização da justiça, nem o regime democrático.

Quanto à eventualidade de uma greve dos juízes (greve que de resto não seria inédita), a sua realização em data inserida num processo eleitoral seria manifestamente desadequada e não consentânea com o nosso regime democrático conquistado com o 25 de Abril.




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