No aproveitar é que está o ganho

Correia da Fonseca

Os incêndios de Pedrógão e de Góis haviam sido finalmente extintos poucas horas antes quando o nacional-televisismo passou a dar-nos imagens também impressionantes, e por isso rendáveis quanto à atracção de audiências, dos fogos que tinham deflagrado em Espanha. Eram um bom condimento para os telenoticiários, mas tinham um irremediável défice: não davam margem para que fossem insinuadas, se não claramente afirmadas, responsabilidades de uns e esquecidas responsabilidades de outros e, por essa via, lançar mais um torpedo mediático contra a actual solução política. Porque os fogos que tinham assassinado mais de sessenta pessoas, destruído casas, transformado em cinzas o que eram hectares de floresta, tinham decerto suscitado consternação geral, independentemente de trincheiras partidárias, mas o que passara a ser prioridade política imediata era aproveitar a desgraça, já agora, para disparar contra o Governo, não tanto por ele mas pela actual correlação de forças na Assembleia da República. Afinal, é preciso não deixar escapar as oportunidades ou, como diz a fórmula popular, no aproveitar é que está o ganho. Se alguns malvados se aproveitaram dos fogos para assaltar e pilhar casas evacuadas pelos seus moradores, porque é que os partidos eticamente irrepreensíveis que constituem a direita política portuguesa não hão-de aproveitar a circunstância para se desresponsabilizar pelas políticas que conduziram a esta situação?

 

Uma sagrada regra

Dir-se-á talvez que nem todos os aproveitamentos de oportunidades são bonitos, mas é preciso atender às circunstâncias. Neste caso, repare-se na espécie de orfandade que caracteriza a bandeirinha portuguesa, tendencialmente indicativa da situação de primeiro-ministro de Portugal, que ornamenta a lapela do dr. Passos Coelho: é, mais que o sinal de uma esperança que definha a cada dia que passa, um tácito apelo a que o destino reponha as coisas no caminho certo, e se não for o destino que seja o fogo, por muito desejável que fosse outro o itinerário. É certo que, neste caso concreto como em muitos outros, o novelo das responsabilidades tem muitas pontas, mas a direita já deu provas de não se deixar enredar por razões de ética, o que lhe importa é repor o devir dos acontecimentos nos carris do que lhe parece ser a legitimidade: aos seus olhos, o poder pertence-lhe sempre pela ordem natural das coisas. É evidente que a actual realidade política está em desacordo com esta sagrada regra, de onde a adequação de corrigir o erro por todos os meios possíveis desde que legais. Não foi a direita que ateou os fogos, mas já que eles existiram seria um desperdício não os aproveitar e a direita não é desperdiçada. Como a televisão tem vindo a demonstrar. Como os cidadãos telespectadores terão vindo a reparar e não podem esquecer.




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