Há fogo!
Não há como fugir. Nestes dias o País confronta-se com a tragédia, em três concelhos do distrito de Leiria, e procura explicações, percebendo que alguma coisa de muito extraordinário houve para que apenas um incêndio tenha resultado num tal rasto de perda de vidas humanas e destruição de bens materiais, entre as quais explorações agrícolas e pecuárias, de outras actividades económicas e, particularmente, de habitações, dramas que nos merecem a mais viva solidariedade.
Só identificando as causas será possível combater os incêndios
LUSA
Por estes dias, o País vai retomar intermináveis debates sobre o porquê e sobre o que fazer perante um cenário que este ano se antecipou de forma brutal. Creio, entretanto, que se voltará a ignorar a natureza das causas da dimensão deste flagelo: a política de direita e os interesses predadores do capital. Especialistas dos mais diversos matizes, políticos e ex-políticos, passarão heroicamente ao lado dessa questão, exactamente porque uns são responsáveis directos por essa política e outros porque foram coniventes com ela e até criticaram a coerência e a determinação com que alguns, como nós, a denunciaram.
Seguramente ouviremos falar da ausência de limpeza e manutenção das matas e florestas, que fornece o combustível para o fogo propagar em grande velocidade, mas não dirão que isso decorre, em grande medida, do facto de a indústria da pasta de papel impor preços muito baixos à madeira, para garantir lucros fabulosos do duopólio existente, o que impede a realização de tais investimentos. Falarão do despovoamento do mundo rural, que leva a terras ao abandono, à desocupação do território, que facilita o desenvolvimento dos incêndios, mas não dirão que isso decorre, principalmente, de uma opção política de encerramento de empresas e de desmantelamento das funções sociais do Estado e entrega de serviços públicos à gula do capital, que depois opta por encerrar o que não lhe interessa.
Debaterão a necessidade da prevenção, mas não os ouviremos reconhecer que a razão de não se ter atingido o objectivo da criação de 500 equipas de Sapadores Florestais se prende com os critérios de cumprimento dos objectivos do défice, que impedem mais investimentos públicos.
PCP tinha razão
Saberemos que hoje reconhecem razão aos que, como nós, sempre combateram a extinção do Corpo de Guardas Florestais – essa decisão que a vida cada vez mais confirma como criminosa –, mas que não dirão que isso se insere na mesma linha de desmantelamento dos serviços do Ministério da Agricultura, que levaram a inúmeras dificuldades para os pequenos produtores. Dirão que há corporações de bombeiros que têm poucos efectivos, sem nunca questionarem as causas da emigração que, apenas no período das troikas, levou mais de meio milhão de jovens para longe das suas terras.
Vão escrever em defesa da floresta autóctone e da necessidade de ordenamento florestal que, sem recusar o aproveitamento da produção de madeira para a indústria, lhe dê prioridade e atenção. Mas não farão a denúncia de que ao capital isso não interessa, pois falamos de espécies de crescimento muito mais lento, incompatível com a voracidade do lucro imediato, que tem sido endeusado.
Falar-nos-ão dos problemas da pequena propriedade, que cria dificuldades a políticas articuladas de intervenção no território, sem dizerem que o que defendem é o caminho da concentração para assegurar maiores rentabilidades para a indústria florestal e escondendo que ao longo dos anos criaram as maiores dificuldades aos baldios, que não são propriamente pequena propriedade, mas que, exactamente porque não vêem no lucro o objectivo imediato, se constituem como barreira ao avanço dessa industrialização.
E acima de tudo, ouviremos muitas vezes dizer que ninguém fez nada, que se fartaram de avisar e ninguém quis saber, procurando fazer esquecer o património de denúncia e de proposta que designadamente o PCP tem nesta matéria.
Sem identificação, com clareza, das causas, dos responsáveis e dos beneficiários da política dos últimos anos, sem se reconhecer na política de direita ao serviço do capital a origem dos graves problemas que, ano após ano, resultam de épocas de incêndio cada vez mais prolongadas e mais agudas, não haverá condições para os enfrentar.