Comentário

A banca e os paraísos fiscais

Miguel Viegas

Desde da úl­tima crise fi­nan­ceira que a Co­missão dos As­suntos Eco­nó­micos e Fi­nan­ceiros do Par­la­mento Eu­ropeu tem es­tado num au­tên­tico fre­nesim le­gis­la­tivo, pro­du­zindo di­plomas atrás de di­plomas, pro­cu­rando assim iludir a opi­nião pú­blica sobre a pos­si­bi­li­dade de re­gular o sis­tema fi­nan­ceiro e evitar as crises.

O nú­cleo cen­tral da ac­tual re­forma le­gis­la­tiva con­centra-se no cha­mado pa­cote CRD IV («Ca­pital Re­qui­re­ment Di­rec­tive IV”» que trans­creve os prin­cí­pios dos acordos de Ba­si­leia III na di­rec­tiva 2013/​36/​UE e no Re­gu­la­mento (UE) 575/​2013. Cu­ri­o­sa­mente (ou talvez não...) esta di­rec­tiva subs­titui duas di­rec­tivas de 2006 (2006/​48/​CE e 2006/​49/​CE) que cons­ti­tuíam a base do sis­tema de su­per­visão ban­cária. Ou seja, duas di­rec­tivas bem fres­qui­nhas, apro­vadas em 2006, mas que foram to­tal­mente ino­pe­rantes pe­rante a crise fi­nan­ceira de 2008 e cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir!

O Pa­cote CRD IV pro­cura na­tu­ral­mente ir mais longe, como quem diz, «agora é que é!». Impõe re­gras ao nível dos sa­lá­rios dos ad­mi­nis­tra­dores bem como do seu nível de for­mação. Re­toma de­pois as ha­bi­tuais pa­tra­nhas sobre re­qui­sitos de ca­pital, gestão de risco e rá­cios de li­quidez. Tem con­tudo um ponto po­si­tivo, que obriga os bancos a pu­blicar nos seus re­la­tó­rios um con­junto de in­for­ma­ções de­sa­gre­gadas por países onde operam (vo­lume de vendas, nú­mero de tra­ba­lha­dores, lu­cros antes de im­postos, im­postos pagos, sub­sí­dios pú­blicos re­ce­bidos, etc.). Esta obri­gação foi in­tro­du­zida no calor dos vá­rios es­cân­dalos fis­cais através dos quais ficou claro que os bancos e as mul­ti­na­ci­o­nais dre­navam lu­cros de forma pu­ra­mente ar­ti­fi­cial para pa­raísos fis­cais onde eram tri­bu­tados a taxas ir­ri­só­rias ou mesmo nulas.

Uma vez que a di­rec­tiva en­trou em vigor em Ja­neiro de 2015, só agora é pos­sível com­pilar os pri­meiros re­la­tó­rios país por país re­la­tivos ao exer­cício de 2015. Um es­tudo re­cente sobre os 20 mai­ores bancos eu­ro­peus re­vela preto no branco o que já sa­bíamos: a banca re­pre­senta um dos prin­ci­pais be­ne­fi­ciá­rios dos pa­raísos fis­cais, seja em pro­veito pró­prio, seja no acon­se­lha­mento dos seus cli­entes.(1) Neste re­la­tório, po­demos ver que 26 por cento dos lu­cros dos mai­ores 20 bancos eu­ro­peus foram de­cla­rados em pa­raísos fis­cais, de­sig­na­da­mente em países como o Lu­xem­burgo, a Bél­gica e a Ir­landa. Os lu­cros de­cla­rados por estes 20 bancos no Lu­xem­burgo (4,9 mil mi­lhões de euros) ex­cedem a soma dos lu­cros de­cla­rados no Reino Unido, na Ale­manha e na Suécia. Do lucro total destes bancos, cerca de 400 mi­lhões de euros não pa­garam qual­quer im­posto (ver quadro). Quase 700 mi­lhões de lu­cros foram de­cla­rados em fi­liais onde não existe ne­nhum tra­ba­lhador, ou seja, em sede fic­tí­cias des­ti­nadas apenas a de­clarar pro­veitos.

Este re­la­tório po­derá não acres­centar muito ao que já sa­bíamos. Tem no en­tanto o mé­rito de dar vi­si­bi­li­dade a esta re­a­li­dade, dando mais força àqueles que, como o PCP, se batem neste mo­mento para que esta obri­gação de pu­blicar re­sul­tados país por país seja alar­gada às res­tantes em­presas mul­ti­na­ci­o­nais. Au­menta assim o es­cru­tínio po­pular sobre as mul­ti­na­ci­o­nais e cresce a com­pre­ensão sobre a ne­ces­si­dade de uma res­posta de classe para com­bater estes fe­nó­menos que só pode passar pelo con­trolo pú­blico sobre o sis­tema fi­nan­ceiro.

País

Banco

Lucro

(Mi­lhões de euros)

Im­postos

(Mi­lhões de euros)

Áus­tria

San­tander

43

0

Ber­mudas

HSBC

79

0

Ilhas Caimão

BNP Pa­ribas

134

0

Ilhas Caimão

Crédit Agri­cole

38

0

Hong Kong

Bar­clays

83

0

Mó­naco

BNP

23

0

Sin­ga­pura

So­ciété Gé­né­rale

57

0

Ilhas Jersey e Man

BNP Pa­ribas

22

0

__________

(1) https://​www.oxfam.org/​sites/​www.oxfam.org/​files/​bp-ope­ning-vaults-banks-tax-ha­vens-270317-en.pdf




Mais artigos de: Europa

Voto popular derrota extrema-direita em França

FRANÇA Sem sur­presa Em­ma­nuel Ma­cron venceu a se­gunda volta das pre­si­den­ciais fran­cesas, re­a­li­zadas dia 7, der­ro­tando por larga margem a can­di­data da ex­trema-di­reita, Ma­rine Le Pen.

Bruxelas cauciona PAC com manipulação mediática

PAC A Co­missão Eu­ro­peia pre­tende es­conder o cres­cente des­con­ten­ta­mento com a Po­lí­tica Agrí­cola Comum com um «si­mu­lacro de con­sulta pú­blica», afirmam os de­pu­tados do PCP no PE.

Conservadores dominam eleições locais no Reino Unido

Os conservadores britânicos, liderados pela primeira-ministra Theresa May, venceram claramente as eleições autárquicas, realizadas dia 4, no Reino Unido. Apesar do carácter específico destas eleições, marcadas normalmente por níveis de...

Polónia quer referendar Constituição

O presidente da Polónia, Andrzej Duda, anunciou, dia 3, a intenção de organizar um referendo sobre a Constituição até final de 2018. «Os polacos têm o direito de se pronunciar sobre se a Constituição que vigora desde há 20 anos deve ser...