O charlatão

Henrique Custódio

A carreira de Donald Trump é igual à de muitos milionários e só mereceu escrutínio ao alcandorar-se à posição de «homem mais poderoso do mundo» – charla que os EUA imperiais se esforçam a impor como mitologia universal, difundida sobretudo por Hollywood.

Travestido de «empresário de sucesso», Trump iniciou-se na lide com uma empresa dada pelo pai rico e que, com notável êxito, afundou em pouco tempo, ordenando-lhe a prudência, desde aí, a deixar numa nebulosa a carreira empresarial, fugindo de pormenores como se especializou a fugir dos impostos.

A formação deste homem cimentou-se a promover concursos de misses (até levou um à Rússia dos Putins) e o perfil que exibe de machista, xenófobo e oportunista mimado esconde uma feroz sede de vencer a qualquer preço.

Mas Trump estava anunciado não nas estrelas, mas na intrínseca corrida para o abismo que caracteriza o capitalismo. Com a queda da União Soviética e do mundo socialista, o capitalismo entrou em roda livre, deixando de temer «o comunismo» e olhando de novo para o mundo como uma coutada à espera dos «mais capazes» ou seja, dos mais fortes. Bastaram três décadas para o imperialismo subverter as suas próprias regras, aumentar galopantemente a diferença entre ricos e pobres, tanto em número como em numerário, e espalhar sem retorno uma miséria global, que vai entrando profundamente no «mundo ocidental» rico e desenvolvido e fazendo crescer um descontentamento sem travões.

Está dito que Trump manipulou (sobretudo nas redes sociais) o descontentamento do povo norte-americano em relação às suas condições de vida, que se agravam de década para década, explorando a ânsia de ruptura que cresce nos EUA em relação ao sistema de governação. O populismo desbragado foi o seu veículo e em registo de quebra-bilhas, tão de agrado das multidões. De resto, é o fenómeno que a extrema-direita também explora pela Europa.

O registo imperial presidiu sempre ao intervencionismo militar dos EUA no mundo. Foi assim no Vietname, na Coreia ou no Cambodja onde, não esquecer, foram sempre derrotados também militarmente. Com a queda do mundo socialista a administração Clinton já se atreveu a atacar directamente um país europeu, no que ficou conhecido como «guerra nos Balcãs», seguindo-se a administração Bush com a guerra ao Iraque e a de Obama na proliferação das «primaveras árabes», abrindo-se também caminho às guerras no exterior para resolver questões internas.

Com o caminho assim aberto e um sistema de valores de cowboy de Hollywood, Trump fez o inacreditável ao ordenar o bombardeamento de uma base militar síria, arriscando um confronto directo com a Rússia.

Aqui está Trump, o charlatão, a actuar no que julga uma charla de Hollywood. Arrisca-se a precipitar tudo, evidentemente.




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